Embalagens internacionais vindas de países da América do Norte, da África e até da Ásia foram identificadas entre os resíduos que poluem as praias e o mar da capital cearense. Voluntários e ONGs assumem limpeza como missão
O encontro do rio com o mar é uma das poucas certezas que se tem sobre o meio ambiente. É no abraço entre doce e salgado que a natureza troca nutrientes, se equilibra, resiste – e sente na pele, junto ao fluxo d’água, a passagem dolorosa de resíduos sólidos de um lado a outro. Ontem, falamos sobre os mais de 600kg de lixo retirados de parte do Rio Cocó todo os meses. Hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente, outro dado alerta para a urgência da educação ambiental: 10 mil tipos de resíduos diferentes foram encontrados no Litoral de Fortaleza, em pesquisa do Instituto Verdeluz.
O problema, aliás, não é só nosso. “Encontramos muito lixo internacional aqui em Fortaleza, principalmente na Sabiaguaba, o que mostra que esse problema não é local, mas global. Já recolhemos embalagens da Namíbia, Califórnia, Cingapura, Taiwan e Malásia”, relata a advogada do Instituto Verdeluz, Beatriz Azevedo, explicando que o principal intuito do projeto é coletar dados para entender a problemática e pensar soluções.
No ano passado, o Verdeluz, por meio do Grupo de Resíduos Urbanos (GRU), retirou mais de 90kg de resíduos do litoral. Em 2019, o projeto Fortaleza pelas Dunas já recolheu, em três coletas, quase duas toneladas de lixo das Dunas do Cocó. “Falta as pessoas perceberem o impacto que estão causando. Pensam: ‘ah, é só uma bituca’, ‘é só um canudo’. E se fosse isso dentro do seu estômago? É isso que a fauna marinha sofre. Se as pessoas tivessem noção do dano, veriam que cada ação importa”, alerta Beatriz.
O lixo que chega ao mar gera um problema ainda maior: a mortandade de animais marinhos. A mergulhadora e doutora em Ciências Marinhas, Cynthia Ogawa, alerta para o impacto. “Os animais não foram preparados para digerir plástico. Imagine você com o estômago muito cheio, mas de uma coisa que não te nutre, e não consegue se alimentar? Não temos estatísticas para o litoral do Ceará, mas no mundo, 100 mil animais morrem por mês em consequência do lixo”, lamenta a especialista.
Hobby e missão
Mergulhadora há 17 anos, Cynthia transforma o hobby em missão ambiental, aproveitando para recolher lixo, filmar e publicar imagens da “presença humana” no fundo do mar, quando mergulha no Aterro da Praia de Iracema. A bióloga atenta para outra questão. “Rios, lagos e mar são interligados. Muito do lixo do mar nem vem só da praia”.
O articulador das Unidades de Conservação Estaduais da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Leonardo Borralho, ratifica. “Sem o rio, não teria vida na zona costeira. Mas o que vem de negativo também impacta o mar. Por isso, é importante haver ações às margens, mas também dentro das águas”, salienta. Questionado sobre medidas de limpeza marinha, Borralho afirma que “isso é competência municipal ou federal”. A Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) de Fortaleza, por sua vez, mencionou como única ação a “varrição diária da faixa de areia”.
Visibilidade
De acordo com Marcus Andrade, mergulhador do projeto Mar do Ceará, atuante em limpeza marinha e educação ambiental desde 2009, a quantidade de lixo retirada das águas salgadas “pode não ser tão expressiva se comparada ao que é recolhido na orla”, mas é alarmante. “Embaixo d’água é mais difícil se movimentar, a visibilidade é diferente. Mas vemos o que poucos veem: o lixo que está submerso. Encontramos mais na orla e a oeste de Fortaleza. No Aterro, sempre vai ter lixo quando mergulhamos. Na Taíba e no Pecém, encontramos praias imundas do lixo que vem do porto e da Capital”, relata o mergulhador.
Os resíduos sólidos produzidos pelo ser humano, aliás, chegam aonde nem ele consegue. Um submarino americano alcançou a maior profundidade da história e encontrou? lixo. E nem é preciso ir tão longe assim. Segundo a bióloga Cynthia Ogawa, encontrar resíduos no Parque Estadual Marinho do Estado, a cerca de 18 km da costa, é comum. A unidade de conservação ambiental submersa é de responsabilidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) que, conforme Borralho, realiza limpezas periódicas no local.
“Muitos ainda têm a ideia de que o oceano é capaz de absorver todo o lixo, e ele não é. É alarmante: não se fala mais em medidas para depois, e sim para agora. Se não mudarmos a forma de lidar, não sobra nada para as próximas gerações”, alerta Cynthia.
Fonte: Diário do Nordeste