Por quatro dias, evento valorizou as manifestações artísticas nos municípios e acena para novos territórios da cultura
Havia um burburinho no ar, dava para sentir. O tapete batido do lado de fora da casa para tirar poeira sinalizava algo:gente nova chegando. Convidados ilustres, pessoas que vinham de longe ou que, de tão perto, mas desconhecidas, mereciam tratamento especial. As ruas dos municípios de Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu e Ibaretama respiravam essa inquietação do bem.
Era a iminência da novidade chegando, a Mostra Sesc de Culturas Sertão Central. Na primeira edição, de 25 a 28 de julho, o evento primou por estabelecer intenso contato com a região sertaneja do Ceará a partir do enlace entre diferentes expressões e linguagens. Conceito firmado já na Mostra Sesc Cariri de Culturas, evento com 20 anos de percurso, considerado a mãe da recente iniciativa.
Por herança, o foco dos trabalhos também recaiu sobre a potencialidade das pessoas. Elas é que ganharam o protagonismo, assumindo a linha de frente das atividades. E, cabe o destaque: tem muita gente boa fazendo arte no Sertão.
Logo nos primeiros instantes de realização do projeto, era possível constatar. Lindo cortejo de grupos tradicionais cearenses – a exemplo de Irmãos Aniceto, Banda de Música de Quixadá, Reisado Discípulos de Mestre Pedro e Banda de Lata Criança Feliz – desfilavam e deixavam entrever, de maneira original, o costume de antepassados igualmente fortes e inspiradores.
Também a multiplicidade de temáticas e reflexões nas Artes Cênicas acenderam renovado fôlego para quem se avizinhava aos equipamentos públicos e espaços abertos com vontade de conferir a programação, saber que espetáculo estava sendo encenado ali. Foram muitos. Das comédias rasgadas a intervenções, passando pelo drama e a dimensão social, cada um trazia nova camada para se pensar e fazer teatro na região.
“Imaginário Criador”, da Trupe Motim, por exemplo, levava para o palco ponderações a respeito do ato de reciclagem, mirando na revisita a materiais esquecidos pelas pessoas e desgastados pelo tempo, o que poderia trazer outras formas de vida ainda mais pulsantes para eles. Um esmerado trabalho de delicadeza e chamada urgente para mudança em nosso olhar.
CAMINHOS
Trajetos parecidos percorreu também a música. Desde a abertura oficial da mostra, com o show de Jota Quest – que lotou a Praça do Leão, em Quixadá, com 20 mil pessoas, embalando-as em grandes sucessos do pop – até o memorável encontro de Fausto Nilo e Moraes Moreira em Quixeramobim, atração que encerrou a programação, vários foram os passos dados com vistas a fazer crescer as iniciativas na seara.
Os papos criativos revelaram uma boa amostra de quanto é necessário o diálogo entre distintas expertises para fazer florescer oportunidades. Eles aconteceram entre grupos locais e alguns grandes nomes do cancioneiro nacional, tais como a banda Fanfarrada, do Rio de Janeiro, o grupo Parahyba Ska Jazz Foundation, e a Orquestra Sanfonas do Ceará. Momento singular de apresentar talentos e perspectivas.
No ramo da literatura, idem. Encontros de encher os olhos, como o Sarau Mulheres do Mundo – ocorrido em pleno pôr do sol na Ponte Metálica de Quixeramobim – fizeram as presentes constatarem quanto é urgente fomentar discussões sobre o lugar da mulher no mundo e quanto a escrita pode salvar. Ao mesmo tempo, mesas-redondas e lançamentos de livros, como os dos escritores Márcio Benjamin e Osvaldo Costa, fizeram os interessados observarem a criatividade de quem aposta nas letras como instrumento de afirmação.
LEGADO
O cordel e o repente, como expressões tradicionais, envolveram o público num prosear de histórias, reunindo Geraldo Amâncio, Guilherme Nobre, Damião Monteiro e Lourival Bezerra. Encontro de diversidade de gerações para atestar a dimensão de artes milenares.
Oficinas formativas e visita à Fazenda Não Me Deixes, onde viveu a escritora Rachel de Queiroz, deixaram legado particular para quem chegou junto na mostra. As primeiras foram responsáveis por despertar fagulha em agentes culturais e novos interessados no segmento com vistas a fazê-los iniciar/continuar projetos e parcerias.
A segunda, por sua vez, levou mais de 50 pessoas para conferir a memória e contribuição de Rachel nas letras cearenses e no imaginário da população de Quixadá por meio da casa onde ela viveu. Alunos, inclusive, de programas voltados para Ensino de Crianças e Jovens (EJA), estavam começando a plantar, ali, no alpendre em que a escritora ficava, a semente da paixão pelo ler.
Gerente de cultura do Sesc, Chagas Sales, em coletiva de imprensa, avaliou positivamente cada trajeto percorrido pela mostra no Sertão Central. “O evento realizado aqui provou que somos capazes de realizar uma ação potente no campo da cultura, principalmente quando conseguimos dialogar com parceiros. As fricções de ideias criativas gerarão, sem sombra de dúvida, desdobramentos de ações e de, possivelmente, numa próxima edição, nós termos um potencial ainda maior de resultados”.
O gestor finalizou o momento anunciando que, no próximo ano, é a vez de a Serra da Ibiapaba receber uma edição da Mostra Sesc de Culturas, feito comemorado pelos presentes. Afinal, será mais um espaço em que a poeira do tapete das casas será retirada para abrir a porta ao novo que vem.
* O repórter viajou à convite da Mostra Sesc de Culturas Sertão Central
Fonte: Diário do Nordeste