Atividades integrantes do eixo Literatura Juventude Periferia potencializam novos olhares sobre práticas de escrita e leitura nas cartografias periféricas das cidades
Se considerarmos que a literatura é arte que não se limita somente ao papel, ao livro propriamente dito, vamos notar a ampla presença dela nas periferias das cidades desde há muito tempo. A percepção ganha contorno na fala de Talles Azigon. O mediador de leituras, editor e contador de histórias situa que, nos bairros distantes do centro, sempre se contou e escutou narrativas, o que sinaliza, portanto, um abrangente consumo das diferentes vertentes literárias, sobretudo naquela baseada na oralidade.
“O acesso ao livro, contudo, é outra questão”, pondera. “Não é que a gente não goste, não é que a gente não leia. Acontece que é um direito que nos é negado. Porém, nos últimos anos, devido a muitos fatores – incluindo, por exemplo, a abertura democrática ao ensino superior e investimentos um pouco maiores pelos governos de esquerda na educação – tivemos um monte de galera acessando o livro, se graduando, se pós-graduando, e propondo outras atividades e olhares para as periferias”.
Demarcar esse espaço, portanto, é necessário, e ganhará as vistas do público durante a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, iniciada hoje (16) e seguindo até o dia 25 de agosto. O eixo Literatura Juventude Periferia, do qual Talles é coordenador, tratará de apresentar o que vem sendo feito nas quebradas locais e nacionais por meio de pluralidade de ações.
Bate-papos, lançamentos de livros, encontros, saraus, mediações de leitura, entre outros momentos, darão o tom do eixo, um dos destaques de toda a programação do evento – ainda sujeita a alterações. A concentração das atividades dentro desse recorte específico será no Mezanino 2 do Centro de Eventos do Ceará.
Poeta Mika Andrade mediará conversa sobre poesia erótica
Amplitudes
Uma das primeiras ações do eixo será o bate-papo intitulado Antologia da Poesia Erótica de Poetas Cearenses, na qual a poeta Mika Andrade fará a mediação. A conversa será sobre a antologia da qual ela participou e organizou, “O Olho de Lilith”, recentemente lançada pelo selo Ferina. A publicação reúne escritos de Anna K Lima, Nina Rizzi, Sara Síntique, Ayla Andrade, e mais diversidade de mulheres da atual safra poética de Fortaleza e do Ceará.
“Apesar de o assunto ainda ser tabu, é relevante que conversemos sobre ele, especialmente no momento político em que estamos vivendo, em que temos que reafirmar a autonomia de nossos corpos diariamente numa sociedade sexista e machista”, observa Mika, sublinhando a envergadura política que cada acontecimento no espaço dará conta de assumir.
Nesse movimento, os saraus também assumem a linha de frente. E vão acontecer vários durante os dez dias de Bienal, reunindo alguns dos principais ocorridos na cidade, a exemplo do Corpo Sem Órgãos: Sarau-Rizoma, Templo da Poesia, Bate Palmas, entre outros.
Sarau da B1 também estará presente na Bienal, ecoando a força de versos e expressões artísticas
Integrante do Coletivo Natora, que realiza o Sarau Natorart na região do Grande Pirambu, Larissa Paiva afirma: “Estar pela primeira vez na Bienal é um passo muito grande, tanto para a gente quanto para o evento. Vamos levar o que estamos produzindo, sem inventar nada de novo. Será nossa autêntica identidade, com apresentações de dança, teatro, música, aonde qualquer pessoa pode chegar e recitar sua poesia”, adianta.
Em sintonia com a fala de Larissa, Samuel em Transe, do Sarau da B1, no Jangurussu, dá dimensão da necessidade de cultivar espaços como esse em uma festa de leituras tão múltiplas.
“A finalidade é nos juntar. Sempre quiseram que a gente ficasse separado e estamos na contramão, na subversão. Esse lance de a sociedade achar que só tem violência na periferia acho que é uma parcela mínima que ainda acha, atualmente. Porque a gente está batendo na tecla que tem muita potência, beleza e poesia”, diz.
Ainda na seara do verso escrito e ressoado na fala, a programação trará também diversidade de slams, dentre eles o Slam das Minas, de São Paulo, integrante da programação do Sesc – que, entre outras ações, trará mediações, oficinas, rodas de conversa, saraus e contação de histórias. Em entrevista ao Verso, a poeta Pam Araújo comenta sobre a força da prática.
“Além de ser poética, é política. Porque a gente conhece as verdades das pessoas nos três minutos que elas colocam ali, no palco, com a poesia. É importante, então, para que o público entenda quem é essa juventude e o que está fazendo”.
Pam Araújo e Luz Ribeiro, do Slam das Minas, virão de São Paulo para compor a programação do eixoFoto: Tais Gobbo
Leituras
Além das atividades mencionadas, outras abrangem diferentes instâncias do fazer literário. A oficina capitaneada pelo escritor Wilson Júnior, do Coletivo Escambau, é exemplo disso. A ação “Aprender a escrever na internet”, segundo ele, pode abrir caminhos para novas empreitadas.
“A internet é um espaço muito democrático para quem quer colocar seus textos, especialmente se você conhece os caminhos. A ideia é tentar facilitar um pouco a jornada de quem está se aventurando nessa tortuosa estrada que é se tornar um escritor”.
Completando o panorama, a atuação das bibliotecas comunitárias e livres igualmente jogará luz sobre um movimento que tem se intensificado nas comunidades.
“São ambientes fonte de conhecimento, e a gente percebe que, na periferia, tem muitos jovens produzindo literatura, tanto por prazer quanto para apresentar a realidade que vivenciam”, explica Sâmia Alves, articuladora da Rede Jangada Literária, coletivo composto de bibliotecas comunitárias. “Tanto é que eles estão participando ativamente do evento”.
O universo das bibliotecas comunitárias também ganha destaque na Bienal, a exemplo da Biblioteca Mundo Jovem, no bairro Jardim Iracema Foto: JL Rosa
Serviço
XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará
De 16 a 25 de agosto, das 10h às 22h, no Centro de Eventos do Ceará (Av. Washington Soares, 999 – Edson Queiroz). Gratuito. Programação completa no site do evento.
Fonte: Diário do Nordeste