Mulheres que tiveram a doença, uma delas por três vezes, relatam importância de cuidados médicos regulares e de apoio familiar para superar carcinomas; mama, pulmões e útero são mais atingidos no gênero feminino
Foi como deixar de sentir toda a terra sob os pés. Perder o oxigênio completamente por incontáveis minutos. Ver uma bomba explodir nas próprias mãos. Essas sensações de surpresa negativa que desestabilizam, sufocam, quase matam. A contadora aposentada Rita de Cássia Bezerra, 60, viveu tudo isso num dia só, em abril de 2008, quando foi diagnosticada com câncer de mama pela primeira vez – era o início de uma das três guerras que travaria contra a doença.
Outubro é, historicamente, período de atenção à prevenção dessa doença – mas, neste mês, o Sistema Verdes Mares amplia as discussões da causa. Durante este mês temático, a campanha “Autocuidado importa” conta histórias de superação e divulga informações em reportagens de todos os veículos, com foco na saúde da mulher.
O carcinoma mamário é o que mais atinge mulheres cisgêneras (cuja identidade feminina corresponde ao sexo biológico) no Ceará. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que 11.420 cearenses tiveram câncer em 2018, e para 2.200 delas o problema foi na mama. O número efetivo de novos diagnósticos, porém, não é informado pelo INCA nem pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).
Rita de Cássia integrou as estatísticas em três anos distintos: 2008, quando perdeu a primeira mama; 2011, quando a doença retornou e levou o segundo seio; e 2013, ano em que um linfonodo mamário surgiu no braço, sendo necessário novo tratamento e o “esvaziamento” da axila. “Na primeira vez, percebi uma mama maior do que a outra, fui à ginecologista e já saí de lá arrasada, com o mastologista marcado pro mesmo dia. Passei o fim de semana inteiro chorando, segunda-feira fiz a biópsia e logo iniciei a quimioterapia”, relembra.
No Ceará, em 2019, só até a primeira quinzena de setembro, 3.070 mulheres já morreram em consequência de câncer
Otimismo
A autoestima, abalada pelo tratamento doloroso e pela perda do cabelo, foi renovada em janeiro do ano seguinte, quando Rita realizou o sonho da “festa de 15 anos em plenos 50!” Daí em diante, a fé a fortaleceu, e nas vezes seguintes em que foi diagnosticada, “já dava a cura como certa”. “Nunca faltou apoio da minha família, dos amigos, dos vizinhos. Me sinto muito querida. E sempre que tenho uma dor, lembro que Deus não dá cruz que você não tenha força pra carregar”, reflete Rita.
O processo foi transformador. E não só para o corpo. “Antes eu só cuidava dos outros, hoje olho pra mim – e enxergo outra pessoa. Tomo decisões com mais facilidade, continuo trabalhando, mesmo aposentada, e não perco oportunidade de viajar… Quero conhecer o Brasil inteiro. O futuro é hoje!”, exclama a aposentada, que tem acompanhamento médico periódico e toma medicação de forma permanente, para evitar que a “doença maldita” reapareça.
Antes de ter câncer, eu achava que nunca tinha dinheiro nem tempo. Hoje vejo que não é nada disso que importa
Otimismo, aliás, foi a força-motriz que impulsionou a gerente comercial Andréa Albuquerque, 44, para lidar com o diagnóstico repentino do câncer de estômago, que acometeu, segundo o INCA, mais de 500 mulheres cearenses no ano passado, 140 delas na Capital. Em Andréa, a doença não apresentava nenhum sintoma, e só foi identificada a partir de um exame ginecológico de rotina: após uma ressonância para investigar possível endometriose (um distúrbio uterino).
“Eu mesma vi o resultado da biópsia e entendi que tinha dado CA. Meu mundo caiu. Não acreditei que era comigo, principalmente porque esse câncer acomete mais pessoas de 60 anos, e eu descobri aos 43. O que foi bom é que o tratamento foi mais eficiente, não cheguei a fazer quimioterapia. Mas retirei todo o estômago e a vesícula, como prevenção”, diz, “com a voz na mesma tranquilidade” de quando avisou à família, já traumatizada pela perda da mãe dela, há oito anos.
“A família ficou em pânico, porque o câncer da minha mãe evoluiu muito rápido. Ela descobriu CA de mama, fez cirurgia, quimio e radioterapia. E quando já estava de alta, sentiu uma dor na cabeça e descobrimos os vários tumores. Foi só uma semana até ela morrer”, relembra. “Comigo, bateu pânico, mas me controlei e comecei o corre-corre pra me tratar logo. O pessoal brinca que eu sou um estudo de caso, porque em nenhum momento deixei de trabalhar nem me desesperei.”
Prevenção
Hoje, 25kg mais magra e infinitas vezes mais forte, Andréa se orgulha da saúde que ostenta. “Sou saudável, como de tudo um pouco, não tenho restrição alimentar nenhuma. Só tenho que me policiar pra comer a cada três horas, porque não tenho o processo de digestão completo e não posso mais perder peso, pontua. “O que sempre me deu força foi o apoio incondicional da família. O principal é manter o equilíbrio emocional, não deixar a peteca cair. Não ser peru, não morrer de véspera”, aconselha.
No Ceará, o câncer que mais mata mulheres é o de mama: em 2017, foram 674 óbitos; ano passado, 720; e, neste ano, 453. A neoplasia maligna dos brônquios e pulmões aparece em segundo lugar, com 1.178 mortes nos dois anos anteriores e 416 em 2019. O terceiro mais letal é o carcinoma uterino: foram 631 óbitos em 2017 e 2018, e a soma deste ano já chega a 197 (ultrapassada, porém, pelo câncer de estômago, que já levou 202 mulheres à morte no Estado só até 16 de setembro). Os dados são da Sesa.
ONDE TRATAR Dez unidades ofertam tratamento para câncer no Ceará, de acordo com o Inca, sendo apenas duas delas no Interior do Estado: o Hospital e Maternidade São Vicente de Paulo, em Barbalha, e a Santa Casa de Misericórdia em Sobral.