Realizadora, uma das poucas mulheres na cena do cinema francês da década de 1960, partiu em consequência de um câncer

A cineasta Agnès Varda morreu na noite de quinta (28), aos 90 anos, anunciaram membros de sua família e equipe na manhã desta sexta (29) à agência de notícias AFP. “A diretora e artista Agnès Varda morreu em casa na noite de quinta-feira em consequência de um câncer. Estava cercada por sua família e amigos”, diz o comunicado.

Nascida Arlette Varda em 30 de maio de 1928 em Ixelles, na Bélgica, e foi uma das pioneiras da nouvelle vague, estética de cinema criada na França, em 1958, como reação contrária às superproduções hollywoodianas da época, encomendadas pelos grandes estúdios. Foi onde nasceu o conceito de “cinema de autor”. Assim, ela foi uma das poucas mulheres na cena do cinema francês da década de 1960. Há poucos anos, quando a Academia de Hollywood pensou em dar um Oscar honorário a Agnès Varda, a reação veio rápida.

 “Eu não preciso de prêmio, eu preciso de dinheiro para filmar”.

Já tinha mais de 80 anos a cineasta quando isso aconteceu. Mas o estilo abusado, descontraído e cheio de humor era o mesmo dos anos 1950, quando jactava-se em seu “Visages Villages” (2017) – foi uma das raras pessoas a fazer Jean-Luc Godard tirar os óculos escuros para mostrar-lhe como eram de fato os seus olhos.

A alegria e a impetuosidade já estão presentes em “La Pointe Courte”(1954), filme que dirigiu em 1954 sem nunca ter feito escola de cinema, baseada apenas em seus estudos de arte e fotografia (sem contar literatura e psicologia, em que foi formada pela Sorbonne). Dali resulta a ficção colada sobre a vida de uma vila de pescadores, filme com pouquíssima produção, tendo um também iniciante Philippe Noiret num dos principais papéis.

Esse filme a tornaria uma precursora da nouvelle vague, que integraria como parte da chamada “turma da Rive Gauche”, de que faziam parte, entre outros, Chris Marker, Alain Resnais, Jacques Demy. Era um grupo mais engajado politicamente do que o núcleo central do movimento, saído da revista “Cahiers du Cinéma”, porém ambos coincidiam na distância que tomavam em relação ao cinema francês “de qualidade”.

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“La Pointe Courte”, filme que dirigiu em 1954 sem nunca ter feito escola de cinema

Se “La Pointe-Courte” passou despercebido, o mesmo não aconteceu com “Cléo das 5 às 7” (1962). Embalado pelo prestígio do movimento, o filme representou a França no Festival de Cannes e foi um sucesso internacional. Num momento em que era raro, muito raro, uma mulher tomar da câmera, “Cléo” foi também um filme de afirmação da mulher como diretora de cinema. Vem desse momento seu casamento com Jacques Demy -o diretor de “Os Guarda-Chuvas do Amor”, “Pele de Asno” e tantos outros, de quem seria companheira até sua morte prematura, em 1990.

Desde então, a carreira de Varda passou por altos e baixos. Aliás, depois de uma década de pouca repercussão (entre outras morou um tempo nos EUA com Demy, contratado para dirigir a co-produção “O Segredo Íntimo de Lola” (1969). Envolveu-se no cinema político, transitou ao feminismo até que seu “Uma Canta, Outra Não” (1977) pode ser considerado francamente engajado na defesa dos direitos da mulher (inclusive ao aborto).

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“Cléo das 5 às 7”, filme que representou a França no Festival de Cannes e foi um sucesso internacional

Talvez seu último sucesso no filme de ficção tenha sido o marcante “Os Renegados” (1985), tradução meio inadequada para um filme que trata, basicamente, da errância de uma jovem sem compromisso, em busca talvez de si mesma, que vive nas estradas do sul da França (com uma Sandrine Bonnaire, diga-se, magnífica).

Dito isso, Varda nunca se apertou na dúvida entre ficção e documentário: praticou os dois sem distinção, desde os tempos da política (filmes sobre Cuba, sobre os Panteras Negras etc.) até os mais recentes, em que ora evoca o universo de Jacques Demy, ora se junta aos catadores de objetos (“Os Catadores e Eu”, de 2000).

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Cena de “Os Renegados”, considerado seu último sucesso no filme de ficção, lançado em 1985

Vendo-se cada vez mais como uma catadora de imagens, fixando momentos, profissões, ruas, no conturbado mundo do século 21, Varda tornou-se uma das grandes cultoras do filme-ensaio, de que o exemplo mais evidente será o belo “Visages, Villages” (2017), feito em parceria com o fotógrafo JR.

No último mês de fevereiro, lançou no Festival de Berlim o filme “Varda par Agnès”, estruturado como se fosse uma aula sobre cinema e que permite compreender o percurso artístico da diretora e fotógrafa. Diante de plateias diversas do evento, ela discutiu o seu processo criativo e citou bastidores de filmes que marcaram sua carreira de 64 anos.

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Cena de “Visages, Villages” (2017), feito em parceria com o fotógrafo JR

Inadvertidamente, Varda passou de quase intrusa no universo masculino da direção cinematográfica a pioneira da retomada do cinema como arte também feminina (a exemplo do início do século passado, diga-se) e daí a autora de uma obra tão grandiosa em importância quanto desprovida de afetação e atravessada pela inteligência e pelo humor.

Fonte: Diário do Nordeste

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