Os Boeing 737-200 operavam rotas domésticas e eventualmente para destinos internacionais de baixa demanda. Foto: Christian Volpati via Wikimedia Commons.

Criada com apoio alemão, a empresa aérea Cruzeiro do Sul foi de importância na formação da aviação comercial brasileira até ser assumida pela VARIG

A “Cruzeiro do Sul” é a menor das 88 constelações reconhecidas pela União Astronômica Internacional (UIA). Por ser visível a olho nu, ela se tornou referência para navegantes nos Hemisfério Sul, local onde ela é mais nítida. A sua presença no imaginário popular é representada por aparecer em bandeiras de diversos países. No Brasil já apareceu em nome de empresas, time esportivo, municípios e uma empresa aérea que foi uma das principais do país por décadas, o Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul.

A América do Sul, nas primeiras décadas do Século XX, representava oportunidades para uma Europa que havia saído dos escombros da Primeira Guerra Mundial. Sua dimensão continental, ausência de infraestrutura e uma política de atrair capital estrangeiro fascinavam as pessoas que trabalhavam com aviação, movidas mais pela emoção do que pela razão.

Mesmo derrotados na Primeira Guerra, os alemães possuíam relevância na geopolítica europeia e viam a indústria aérea crescendo, mesmo com as sanções da Tríplice Entente. Sem investir na aviação militar, os esforços foram concentrados na aviação civil e assim a Aero Lloyd e a Schlubach Theimer fundaram em 25 de maio de 1924 a Condor Syndikat, com objetivo de prospectar mercados aéreos, em um triângulo formado por América do Sul, Europa e Estados Unidos. Fritz Hammer, diretor técnico, era um piloto experiente e com participação ativa no desenvolvimento da colombiana SCADTA, precursora da Avianca.

No Brasil, os alemães começaram uma série de voos experimentais com o Dornier Wal – batizado de Atlântico, no final de 1926. Em 26 de janeiro de 1927, o ministro da Viação e Obras Públicas, Victor Konder, despachou o Aviso 60/G, permitindo que a Condor Syndikat operasse voos internos pelo prazo de um ano. Era o início da aviação comercial no Brasil, com o primeiro voo com passageiros pagantes ocorrendo em 02 de fevereiro, entre Porto Alegre e Rio Grande com o Atlântico, com tripulação composta por Rudolf Cramer von Clausbruch e Franz Nuelle e os primeiros passageiros comerciais do país: Guilherme Gastal, José Oliveira Goulart e Maria Echenique.

Neste mesmo ano, em 7 de maio, era constituída a Viação Aérea Riograndense – VARIG, com a Condor Syndikat participando com 21% do capital, representado pelo Atlântico. Em 01 de julho, a Condor Syndikat foi fechada, em favorecimento da Deustche Luft Hansa AG, que havia sido formada em 1926 pela fusão patrocinada por Berlim entre a Aero Lloyd e a Junkers Luftverkehr.

Em 01 de dezembro do mesmo ano foi fundado o Syndicato Condor, que passou a ser representante dos interesses da Deustche Luft Hansa no Brasil, inclusive a participação na VARIG.

Crescimento

A permissão para operar voos comerciais ocorreu em 20 de janeiro de 1928. Com todas as autorizações em mãos, a empresa passou a operar na costa brasileira, desde Porto Alegre até Natal, sendo instrumento de influência germânica contra a francesa Aéropostale. Os objetivos dos alemães era conectar com os serviços da Deustche Luft Hansa, criando uma rede aérea de Berlim até Santiago, no Chile.

Combinando serviços de avião e de trem, em 1932 foi criada a rota São Paulo (Campo de Marte)-Cuiabá e em 14 de abril 1934 os primeiros voos internacionais para Montevideu e Buenos Aires. A desafiadora travessia pelos Andes se tornou realidade em 28 de setembro de 1935.

Naquele ano, o Syndicato Condor transportou 10.040 passageiros. Em 1936, em parceria com a Lloyd Aéreo Boliviano, de origem também germânica, lançou voos para Bolívia, com o Syndicato Condor operando entre São Paulo e Corumbá. De lá os passageiros continuavam a jornada nos aviões bolivianos.

Capa e contracapa do timetable do Syndicato Condor em 1932. Nota-se o esmero da arte gráfica e as duas aeronaves utilizadas pela empresa: Dornier Wal e o Junkers G24. Fonte: Timetableimages.com

Com ascensão do governo nacional-socialista e a retórica belicosa de Adolf Hitler, a expansão do Syndicato Condor foi vista com objetivo militar, com rotas estratégicas nas mãos de estrangeiros. Em 1939, a rede internacional abrangia Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai, enquanto no Brasil, a empresa operava em todo litoral, desde Porto Alegre até Belém, além de linhas-tronco internas com destino ao Vale do Rio Madeira, Piauí e interior amazônico.

Naquele ano ela receberia o orgulho da indústria aeronáutica alemã pré-guerra: dois quadrimotores Focke-Wulf FW200 Condor, matriculados PP-CBI e PP-CBJ, batizados de Abaitará e Arumani e empregados desde Natal até Santiago, no Chile.

O Focke-Wulf FW200 era uma aeronave a frente do seu tempo, sua capacidade e performance o colocavam na vanguarda da tecnologia aeronáutica. Na foto a comparação com o Junkers JU-52/3m da VASP. Foto: Domínio Público.

Segunda Guerra

O ano de 1939 marcou o início da Segunda Guerra Mundial e o mundo passou a ser polarizado entre países que apoiavam o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e os Aliados (Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética). O Brasil passou a ser disputado pelas duas forças e a aviação civil era um dos palcos em que ocorriam este conflito – de um lado o Syndicato Condor/Deustche Luft Hansa, do outro a Panair do Brasil/Pan American World Airways.

Os americanos começaram a criar obstáculos para as operações do Syndicato Condor, como o corte de combustível pela Standard Oil. As peças importadas para a manutenção das aeronaves não estavam mais disponíveis, pelo esforço de guerra pela Alemanha. As rotas eram vistas como modos de espionagem e uma forma de penetração das forças nazistas no país, ao ponto de acusarem o FW200 de ser uma aeronave de reconhecimento quando voava entre Rio de Janeiro e Buenos Aires.

Em 19 de agosto de 1941, o nome da empresa foi alterado para Serviços Aéreos Condor, uma vez que a palavra sindicato ficou destinada para representações de trabalhadores. Ao mesmo tempo o governo americano pressionava Getúlio Vargas a nacionalizar a empresa. Assim, em 26 de agosto de 1942, o Decreto-Lei 4.614 estabeleceu que a União assumiria as dívidas da empresa junto à Deustche Luft Hansa e o capital da empresa seria entregue para pessoas ligadas ao governo.

Assumia a direção da companhia o advogado José Bento Ribeiro Dantas, funcionário do Banco do Brasil, A diretoria alemã foi substituída por brasileiros, com alguns fazendo a transição para a nova gestão, enquanto outros chegaram a ser presos – por suspeita de ligação com o regime nazista, como Clausbruch e o piloto instrutor Rohlandt, este falecendo na Casa de Detenção.

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No momento da nacionalização, a frota era composta por dois Junkers F-13, seis Junkers W 34, um Junkers JU-46, dez Junkers JU-52/3m, um Focke Wulf FW56, um Focke Wulf FW58 e dois Focke Wulf FW200.

A nacionalizada Condor chegou a ser cobiçada pelas americanas TWA e Colonial Airlines e passou a prestar serviço para o governo americano, levando tropas e materiais de apoio para o programa de aeroportos a serem construído na costa brasileira.

Para afastar de vez a influência alemã, em 16 de janeiro de 1943, a Condor virou Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Limitada. O nome Cruzeiro do Sul já era utilizado pela unidade de aerofotogrametria desde a nacionalização e seu primeiro presidente, o diplomata Oswaldo Aranha, foi o autor principal da solução para o imbróglio Condor junto aos americanos.

Como uma empresa nova, a Cruzeiro do Sul foi aos EUA comprar os novíssimos Douglas DC-3. Como as compras naquele período de guerra cabiam ser decididas pelo governo americano, este pressionou que a empresa utilizasse o Lockheed Lodestar. Contra a proposta, Ribeiro Dantas argumentou “Se o Lodestar é tão bom, por que então as principais empresas aéreas dos EUA operam o DC-3?”. Prevaleceu a vontade dos brasileiros e em 24 de setembro de 1943 pousava o primeiro de quatro DC-3 encomendados, empregados principalmente na linha costeira da empresa.

O versátil DC-3 operou na Cruzeiro do Sul entre 1943 e 1975, sendo a primeira empresa brasileira a operar o modelo. Na foto, o modelo estava a serviço da LASA Engenharia, a notar pelo radar no traseiro e no logo da empresa atrás da janela do cockpit. Foto: RuthAS via Wikimedia Commons.

Com o término da guerra, a Cruzeiro do Sul comprou diversos DC-3/C-47 excedentes e padronizou a frota neste modelo, com as aeronaves alemãs tomando diversos fins: Junkers JU-52/3m foram vendidos para Argentina, os Junkers F-13 e W-34 vendidos no Brasil e os FW200 foram vendidos ao ferro-velho, sendo que um deles, o PP-CBI, tinha sido abarroado pelo DC-3 da Panair do Brasil em 07 de março de 1947.

O próximo passo da Cruzeiro do Sul era lançar voos para os EUA, uma vez que a Europa estava designada à Panair do Brasil e a Aerovias Brasil detinha, a título precário, a concessão para Miami. Com aumento do capital para CR$ 20 milhões, a Cruzeiro adquiriu três Douglas DC-4 (C-54) para operar as recém-concedidas rotas para os EUA. Matriculados como PP-CCI, PP-CCJ e PP-CCS, os quadrimotores foram batizados de Sirius, Canopus e Vega. A Cruzeiro do Sul começou a desde então a batizar suas aeronaves com nome de estrelas ou constelações, abandonando as homenagens indígenas ou geográficas.

Pela autorização expedida, a Cruzeiro poderia operar em três cidades americanas: Nova Iorque, San Juan de Puerto Rico e Washington. E entre 1948 e 1949, a Cruzeiro do Sul realizou voos experimentais para estas cidades, mas condicionava a sua efetivação em receber subsídio para a rota. Com a negativa do governo, a empresa vendeu os DC-4 por US$ 1,8 milhão em 1949.

A década de 1940 encerrava com a Cruzeiro do Sul como uma das companhias aéreas de expressão nacional, junto com a Panair do Brasil. Operava uma extensa rota a partir do Rio de Janeiro, e serviços internacionais para Buenos Aires, Além disso, por meio da PLUNA e LAN, chegava até Montevideu e Santiago, respectivamente, a partir da capital argentina. A associação com a VARIG tinha sido em 1931, assim como os acordos operacionais posteriores, sendo que um deles a Cruzeiro do Sul designava a VARIG a operar o trecho Porto Alegre-Montevideu.

Expansão no pós-guerra

Frustrada com os planos desfeitos de voar para os Estados Unidos, a Cruzeiro do Sul passou a investir no mercado doméstico, onde a vantagem competitiva estava ameaçada com o crescimento da VARIG, primeiramente no mercado gaúcho e posteriormente na Região Sul.

A primeira ação foi apoiar tecnicamente, junto com a Panair do Brasil, a Sociedade Anônima Viação Aérea Gaúcha – SAVAG, com sede em Rio Grande. A SAVAG incorporou os DC-3 e virou subsidiária da Cruzeiro do Sul, junto com a Empresa de Transporte Aéreo Catarinense – TAC, que foi adquirida pela empresa no início da década de 1950.

Coube à Cruzeiro do Sul o pioneirismo em colocar em operação os primeiros aviões pressurizados destinados ao mercado doméstico: os Convair 340. Eles chegaram em 18 de março de 1954 e foram empregados nas linhas domésticas que partiam da então capital federal, Rio de Janeiro, além de Buenos Aires.

A vinda dos Convair 340 acirrou a concorrência com a VARIG, que trouxe os Convair 240, e a REAL, também com os Convair 340. O avião se tornou preferido dos passageiros por voar acima das turbulências e assim virou o modelo padrão das três empresas aéreas na década de 1950.

O Convair 340 tornou a principal aeronave para voos domésticos no Brasil durante a década de 1950. Na foto, o primeiro CV340 da Cruzeiro do Sul: PP-CDW, batizado de Sirius. Foto: Reprodução.

Satisfeita com os resultados, a Cruzeiro do Sul comprou em 1955 um lote de dez Convair 240 da American Airlines e no ano seguinte cinco unidades do modelo 440 da mesma empresa. No total, 19 Convair-Liners operaram na companhia entre 1954 e 1967.

Quando completou 30 anos, a Cruzeiro do Sul transportou 465.683 passageiros para 104 cidades do Brasil e da América do Sul, alguma delas operadas pelas parceiras Lloyd Aéreo Boliviano, Panagra e PLUNA. Para as operações cargueiras, foram adquiridos naquele ano nove Fairchild C-82 Packet usados, sendo dois para servir de peças para o restante da frota.

Uma década a jato

É possível afirmar que a década de 1960 marcou uma inflexão no desenvolvimento do transporte aéreo brasileiro. A euforia de dezenas de empresas aéreas surgidas após 1945 tinha sido consolidada em meia dúzia de companhias em 1960: Consórcio REAL, Cruzeiro do Sul, Lóide Aéreo Nacional, Panair do Brasil, VARIG e VASP. O transporte aéreo, que era visto como integrador nacional, agora concorria com as rodovias criadas no governo de Juscelino Kubistchek.

Ao mesmo tempo, o alvorecer da era do jato significava voos mais rápidos e confortáveis, porém mais caros, e a acirrada competição das sobreviventes fragilizou os balanços contábeis das empresas aéreas.

A Cruzeiro do Sul disputava com a VASP o título de terceira maior companhia aérea em termos de passageiros transportados. Enquanto a estatal paulista e a VARIG estavam ocupadas com a incorporação do Lóide Aéreo Nacional e do Consórcio REAL, respectivamente, a Cruzeiro do Sul investiu na compra dos Sud Aviation SE-210 Caravelle VI-R, tornando-se a terceira empresa aérea brasileira a entrar na era do jato, depois da VARIG e da Panair do Brasil.

Recebidos em 23 de dezembro de 1962, os Caravelles foram empregados nas rotas mais longas e na vitrine Rio de Janeiro Galeão-Buenos Aires Ezeiza. Configurados para 64 passageiros, os aviões receberam as matrículas PP-CJA, PP-CJB, PP-CJC e PP-CJD, estes dois últimos recebidos em agosto e julho de 1963, respectivamente.

A Cruzeiro do Sul foi a maior operadora do Caravelle no Brasil, com 8 unidades, sendo três arrendados do espólio da Panair do Brasil e um em operação pela LASA no Projeto RADAM. Foto: RuthAS via Wikimedia Commons.

Com a cassação da Panair do Brasil, a empresa recebeu as concessões das rotas para a Bacia do Prata e os serviços amazônicos, operados pelos cinco Catalinas. Posteriormente arrendou da massa falida os três Caravelles: PP-PDV, PP-PDX e PP-PDZ.

Em 01 de janeiro de 1966 as subsidiárias SAVAG e TAC encerraram as operações. E a Cruzeiro do Sul procurava trocar a frota de aeronaves à pistão por novos turboélices. Foram encomendados sete NAMC YS-11 Olympia, mas que ficaram conhecidos aqui como Samurais, com quatro unidades arrendados enquanto não recebia a encomenda definitiva.

Parte do pagamento foi pago com a entrega dos Convair-Liners à fabricante japonesa. Os YS-11 foram utilizados em rotas de demanda média, que não tinham viabilidade para aeronaves à jato. Em 1968, a empresa também fechou o financiamento para comprar quatro Boeing 727-100 da fabricante americana, com a previsão de substituição gradativa dos Caravelles.

Em 29 de abril 1969, José Bento Ribeiro Dantas faleceu e a direção da empresa foi assumida pelo engenheiro Leopoldino Cardoso de Amorim Filho, na empresa desde quando era chamada Serviços Aéreos Condor. Ribeiro Dantas detinha 51% das ações da empresa e ao longo dos anos foi transferindo para os funcionários, tornando-os proprietários, assim como a Fundação Ruben Berta representava os interesses deles na VARIG.

Charlie Tango Alpha com a pintura da constelação do Cruzeiro do Sul aplicada. Esta pintura foi aplicada nos YS-11 e nos dois 727-100 que a empresa pretendia arrendar junto à Boeing. Foto: Clinton Groves via Wikipedia Commons.

Fusão com a VARIG

A Cruzeiro começou o ano de 1971 com “pé direito”, recebendo os três Boeing 727-100 (PP-CJE, PP-CJF e PP-CJG) em 01 de fevereiro. Aeronaves potentes e superiores em performance em relação ao birreator francês, os 727 foram destinados para as rotas domésticas mais prestigiosas, para Buenos Aires e Montevidéu. Posteriormente, a Cruzeiro inauguraria serviços para Lima, via Brasília, e Bogotá, via Manaus.

Boeing 727-100 foi a espinha dorsal da empresa na década de 1970, atendendo destinos na América do Sul. No total, nove aeronaves operaram na empresa entre 1971 e 1992. Foto: Pedro Aragão via Wikimedia Commons.

Entre 1971 e 1973, a subsidiária de aerofotogrametria LASA arrendou um Caravelle, PP-DUW, para fazer o mapeamento aéreo da Amazônia, conhecida como Projeto RADAM. A pintura da aeronave manteve a do antigo operador, United Airlines, com apenas o logotipo da Cruzeiro do Sul, em cores invertidas, no estabilizador.

A Cruzeiro do Sul teve uma série de propagandas inusitadas entre final da década de 1960 e início de 1970. Mas esta talvez seja a mais inusitada ao explicar o porquê de não comprar o supersônico: não era adequado ao mercado que a empresa explorava. Por outro lado a Cruzeiro do Sul anunciava que oferecia o melhor para as suas rotas: YS-11 para rotas curtas, Caravelle para voos nacionais e o Boeing Tri-reator – como chava os 727, para voos internacionais (Reprodução).

A situação financeira relativamente positiva das empresas aéreas se inverteria a partir de setembro de 1973, quando as nações árabes ligadas à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) quadruplicaram o preço do barril de petróleo em retaliação ao apoio de nações ocidentais à Israel na Guerra de Yom Kippur.

Para as empresas aéreas, o preço do petróleo passou a ser uma constante preocupação, aliado com os custos de renovação de frota, dois fatores que atingiam em cheio a Cruzeiro do Sul, que renovou a frota com o Boeing 727-100, NAMC YS-11 e os seis recém incorporados Boeing 737-200 (PP-CJN/O/P/R/S/T), recebidos entre 31 de janeiro e 01 de maio de 1975.

Os Boeing 737-200 operavam rotas domésticas e eventualmente para destinos internacionais de baixa demanda. Foto: Christian Volpati via Wikimedia Commons.

A situação era crítica na SADIA-Transbrasil e na Cruzeiro do Sul, a primeira por não ter preparo para enfrentar as adversidades, enquanto a segunda por ter investido em um programa acelerado de renovação de frota, além de perder dois Caravelle em acidentes em um espaço de quase sete meses.

Em 01 de junho de 1973, o PP-PDX sofreu um incêndio em São Luís, falecendo os 16 passageiros e 7 tripulantes; no dia 23 de dezembro, o PP-PDV faz pouso duro no Aeroporto Ponta Pelada, em Manaus, sem vítimas fatais, porém, com perda total da aeronave.

O Departamento de Aviação Civil (DAC) discutiu inúmeros cenários para o mercado aéreo: fusão entre VARIG e Transbrasil, Transbrasil e VASP, Transbrasil e Cruzeiro, Vasp e Cruzeiro, ou a fusão das três menores, criando uma força doméstica enquanto a VARIG ficaria com o mercado internacional. Leopoldino Amorim criticava a mão pesada do DAC na aviação comercial, dizendo que: “um empresário que não pode estabelecer livremente os preços do que produz nem aumentar livremente a produção e tampouco escolher livremente alternativas de produtos, está diante de um mau negócio”.

Omar Fontana, presidente da Transbrasil, era mais favorável à união com a Cruzeiro do Sul e chegou a propor uma holding para agrupar as duas empresas ao solicitar empréstimo ao BNDES. A proposta foi negada pelo governo.

A VASP emergiu como a favorita para comprar a Cruzeiro do Sul, pois tinha o apoio financeiro do Estado de São Paulo e via a possibilidade de ter o tão desejado mercado internacional. Ao apresentar a proposta para os acionistas da Cruzeiro do Sul, estes julgaram o valor de CR$ 60 milhões baixo e procuraram a VARIG, que ofereceu um valor por ação superior até ao das suas próprias ações.

Mapa de rotas da Cruzeiro do Sul em abril de 1975, véspera da fusão com a VARIG. Nota-se a expansão dos serviços para Peru e Colômbia. Fonte: Timetableimages.com

Assim, em 22 de maio de 1975, a VARIG, por meio da Fundação Ruben Berta, comprou 65% das ações da Cruzeiro do Sul por CR$ 80 milhões e mais CR$ 10 milhões em dívidas, tornando-se agora proprietária daquela empresa que chegou a ser sua acionista.

Com a Cruzeiro do Sul, a VARIG ampliava de 32% para 53% sua participação no mercado doméstico e de 91% para 100% nas linhas internacionais operadas por empresas brasileiras. A divisão de aerofotogrametria não entrou na negociação e em 1977 virou Cruzeiro Táxi Aéreo. Leopoldino Amorim posteriormente virou executivo na Transbrasil.

Com uma extensa propaganda em jornais, revistas e televisão, a VARIG mostrava a união das duas empresas, com o slogan “Voando Juntos”. A Fundação Ruben Berta era a proprietária por questões regulatórias, porém era a VARIG que administrava a empresa e começou com a eliminação de quadros duplicados, sobretudo administrativos, reduzindo o número de aeroviários em 20% em 1975 e de 10% de aeronautas entre 1975 e 1977. A frota foi racionalizada, com a paralisação e posterior venda dos Caravelles e dos YS-11. Todas estas ações fizeram a Cruzeiro do Sul recuperar as finanças a partir de 1977.

A vinda dos primeiros Airbus

A compra da Cruzeiro do Sul foi estratégica para a VARIG, pois a consolidou como a senhora absoluta dos voos internacionais e incorporou profissionais com a mesma filosofia germânica em operações que, no fundo tinha o mesmo DNA dos tempos da Condor Syndikat. Importante também foi que, nas reuniões colegiadas com o governo, a VARIG sempre tinha dois votos a seu favor. A empresa também era um laboratório para práticas que seriam adotadas posteriormente pela VARIG.

Esta estratégia foi bem clara quando a VARIG comprou quatro Airbus A300B4-200 em 1979. As duas primeiras aeronaves, PP-CLA e PP-CLB, foram recebidas pela Cruzeiro do Sul em 1980 e empregadas nas rotas domésticas mais movimentadas saindo de Congonhas e para Argentina. O silêncio e o conforto do jato cativaram o público e a VARIG recebeu as duas unidades restantes em 1981 e 1982: PP-VND e PP-VNE, que seria respectivamente PP-CLC e PP-CLD.

Cabe uma história interessante sobre o início dos voos do A300 no país. A VARIG tinha o costume de usar aeronaves da Cruzeiro do Sul para seus serviços, algo tão comum nos dias atuais. Da mesma forma que os voos SC eram também empregados aeronaves da VARIG, como o Boeing 707-300 e o 737-300. E a empresa gaúcha colocou a dupla de A300 para Miami via litoral, porém, com número VARIG. O governo americano, no entanto avisou a VARIG que a concessão da rota foi cedida à ela e não para a Cruzeiro do Sul e os voos passaram a serem feitos por aeronaves com a rosa-dos-ventos no estabilizador.

O A300 foi o único widebody operado pela Cruzeiro. Configurado para 240 passageiros (?????), o avião representou um novo marco em conforto para os voos domésticos. Foto: Pedro Aragão via Wikimedia Commons

A década de 1980 passou sem grandes novidades para a empresa, exceto a inauguração de voos para o Caribe e o uso experimental do McDonnell Douglas MD-82 no final de 1982 e início de 1983.

A Aeroméxico passava por dificuldades financeiras devido à desvalorização do Peso Mexicano e cancelou a encomenda de seis MD-82. A McDonnell Douglas ofereceu as aeronaves à VARIG por 50% do valor e usou a sua coligada para testar o avião.

Os voos foram empregados para o litoral e Buenos Aires e, apesar da cubagem pequena dos porões, o avião teve boa recepção com passageiros e pilotos. Há inclusive a história que os pilotos da Cruzeiro do Sul conseguiram recuperar um a um, no simulador da McDonnell Douglas em Long Beach, uma manobra na aeronave que os americanos julgavam ser impossível de solucionar.

MD-82 ainda em Miami, com a parte superior em metal, proveniente da Aeromexico. Foto: Boeing.

O veredito foi que a VARIG iria encomendar as aeronaves, mas a abrupta desvalorização do Cruzeiro aumento o valor da aquisição. Fica a dúvida se estas aeronaves viriam para a Cruzeiro do Sul antes de ir para VARIG.

A frota começou a diminuir a partir de 1982, quando dois Boeing 727 (PP-CJH e PP-CJJ) foram para a AeroPerú. Em 1989 foi a vez do A300 PP-CLB ir para Japan Air System, o PP-CLA para Air Jamaica no ano seguinte e o PP-CJL (727) para a recém-criada Itapemirim Transportes Aéreos.

Em julho de 1988, a empresa possuía 116 partidas semanais domésticas, 29 internacionais (Bridgetown, Buenos Aires, Caiena, Iquitos, La Paz, Montevideu, Paramaribo, Port of Spain e Santa Cruz de la Sierra) e dois voos cargueiros operados com o 707 da VARIG: SC 510, Guarulhos-Porto Velho-Manaus e SC 514, Guarulhos-Manaus. Naquele ano transportou 2.676.099 passageiros.

Com o fim da monodesignação nos voos internacionais e a abertura do mercado, não fazia mais sentido a VARIG manter a Cruzeiro do Sul. Assim, em 1º de janeiro de 1993, a Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul foi absorvida pela VARIG. Os cinco 727-100 restantes foram desativados entre abril e setembro de 1992 e os seis 737-200 foram incorporados à VARIG. Em 1997, o último avião da Cruzeiro do Sul foi pintado nas cores da VARIG.

PP-CJS em Florianópolis, após a incorporação pela VARIG. Alguns Boeing 737-200 ex-Cruzeiro do Sul se diferenciavam do restante da frota por não possuírem a listra dupla cinza sobre a cheatline azul e terem a barriga pintada de cinza. Foto: Kambui via Wikimedia Commons.

Em 2001 a VARIG desativou todos os Boeing 737-200, entretanto, com o agravamento da crise na empresa, cinco aeronaves foram reativadas no ano seguinte, incluindo o PP-CJT. A aeronave esteve na VARIG até 24 de dezembro de 2003, posteriormente vendida para a Southern Winds.

De forma melancólica, o nome Cruzeiro do Sul foi apagado da aviação comercial. A divisão de táxi aéreo e aerofotogrametria continuou suas operações a partir do Aeroporto de Jacarepaguá. Em 2011 chegou a operar com o EMB-120 PP-IAS com uma pintura revisada da Cruzeiro do Sul, assim como o King Air PT-ONU, para voos fretados.

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