Teste com medicamento teve 200 mortes no Amazonas; coordenador de estudo nega irregularidades
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) considerou que a denúncia de 200 mortes de voluntários de uma pesquisa clínica com a proxalutamida feita no Amazonas, se confirmada, será um dos “mais graves e sérios episódios de infração ética” e “violação dos direitos humanos” de pacientes na história da América Latina. A instituição pede investigação profunda sobre o caso. As informações são da Folha de São Paulo e do G1.
Um documento foi divulgado sábado (9) por meio da Rede Latino-americana e Caribenha de Bioética (Redbioética-Unesco). Ele se refere à denúncia feita pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) à Procuradoria-Geral da República no mês passado. A entidade regula a participação de seres humanos em pesquisas científicas no Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu o uso do medicamento no combate à Covid-19, mas a substância não teve eficácia comprovada contra a doença. O uso dela em pesquisas científicas também foi vetado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no início de setembro.
‘GRAVES VIOLAÇÕES’
De acordo com a rede de bioética da Unesco, a denúncia da Conep inclui graves violações dos padrões éticos durante o estudo com a proxalutamida.
São criticados a ocultação de informação sobre os locais, número de participantes, entre outros. Eles reforçam que mudanças de protocolo deveriam ser aprovadas pela Conep, órgão regulador do local.
É condenado no documento, também, que as equipes não apresentaram análise crítica da pesquisa e, mesmo com o aumento no número de mortos, terem optado por continuar com a implementação da pesquisa clínica.
OCULTAÇÃO DE DETALHES
A Unesco ainda considera grave a ocultação da existência de comitês de pesquisadores independentes que trabalhavam diretamente com os patrocinadores, o que constituiria conflito de interesses.
“É urgente que, se comprovadas as irregularidades, sejam investigados e responsabilizados ética e legalmente todos os envolvidos, incluindo equipes de pesquisa, bem como instituições responsáveis e patrocinadores, nacionais e estrangeiros”, afirma.
Os pesquisadores da Unesco solicitam que a denúncia seja monitorada, divulgada e acompanhada pela comunidade internacional e pela imprensa.
“É urgente identificar as causas das mortes ocorridas durante os estudos. É inaceitável que esses tipos de eventos, se verificados, estejam acontecendo no ano de 2021″, diz.
INVESTIGAÇÃO DA CONEP
Para a Unesco, “nenhuma emergência sanitária, ou contexto político ou econômico, justifica fatos como esses apresentados na denúncia da Conep”.
“Acreditamos que o maior interesse deve ser colocado no acompanhamento desta pesquisa, dando suporte ao sistema de revisão ética brasileiro e, principalmente, aos participantes da pesquisa brasileira, bem como aos familiares dos falecidos”.
No relatório encaminhado à Procuradoria Geral da República (PGR), a Conep concluiu que os responsáveis pelo estudo desrespeitaram quase todo o protocolo aprovado pela comissão em 27 de janeiro.
Havia autorização para que a pesquisa científica fosse realizada com 294 voluntários em Brasília. Mas, segundo a comissão, o protocolo começou a ser aplicado no Amazonas em fevereiro sem autorização. No total de 645 pessoas.
O perfil dos voluntários mortos também não era compatível com o perfil clínico dos pacientes registrados no estudo.
No caso, a proxalutamida deveria ter sido administrada em pacientes que estivessem em quadros leves e moderados de Covid-19.
Os resultados, contudo, mostraram que as mortes foram atribuídas a insuficiência renal ou hepática, características de pacientes muito graves.
MÉDICO GARANTE TER OBEDECIDO PRINCÍPIOS ÉTICOS
A pesquisa científica no Amazonas foi desenvolvida, conforme a Conep, sob a liderança do endocrinologista Flávio Cadegiani e patrocinada pela rede privada de hospitais Samel.
Na segunda-feira (11), o médico divulgou uma nota no perfil oficial que tem no Twitter dizendo que “a Unesco foi induzida a erro por declarações tendenciosas, por informações inverídicas e distorcidas fornecidas pela Conep, decorrentes de vazamentos ilegais, as quais são objeto de investigações pelos órgãos de controle e pela Justiça Federal”.
“O estudo científico obedeceu a todos os mais rígidos princípios éticos, além de atender todas as formalidades exigidas. E quem faz questão de que tudo seja devidamente apurado e esclarecido são os pesquisadores”, afirma.
Também de acordo com o endocrinologista, devido às possíveis irregularidades que estão acontecendo na condução dos procedimentos por alguns integrantes da Conep e de vazamentos de informações estritamente sigilosas, foram feitas representações ao Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, à Controladoria Geral da União e à Procuradoria-Geral da República, para as devidas apurações, “visando resguardar os direitos e dignidade dos pesquisadores e dos participantes”.
Ele falou, também, que uma interpelação criminal contra as declarações feitas pelo coordenador da Conep, Jorge Venâncio, está tramitando na Justiça Federal Criminal.
Fonte: Diário do Nordeste