A extração comercial de madeira na Amazônia precisa seguir uma série de condições

Pesquisadores identificaram fortes indícios de que as permissões para extração legal de madeira em florestas do Pará estão sendo manipuladas. As fraudes facilitariam a derrubada excessiva de árvores de madeira valorizada que são especialmente vulneráveis à exploração predatória, como os ipês.

“É preciso deixar bem claro que nós não temos nada contra a atividade madeireira em si. Trata-se de uma opção econômica importante para a Amazônia. Mas é algo que precisa ser feito de acordo com critérios corretos, que não afetem a viabilidade futura dessas espécies”, diz Pedro Brancalion, professor do Departamento de Ciências Florestais da USP de Piracicaba e um dos autores do estudo sobre o tema que acaba de sair na revista especializada Science Advances.

A extração comercial de madeira na Amazônia precisa seguir uma série de condições. Não se pode ultrapassar, por exemplo, o volume de 30 metros cúbicos por hectare de madeira, em ciclos de corte que vão de 25 anos a 35 anos.

Os troncos só podem ser cortados se tiverem um diâmetro mínimo (50 cm na altura do peito), e é preciso deixar na mata uma proporção das árvores maduras de cada espécie, para que elas sirvam de matrizes para a regeneração da floresta.

O grupo de pesquisadores, que também inclui Paulo Molin, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), e Mark Schulze, da Universidade do Estado de Oregon (EUA), entre outros cientistas, cruzou uma série de dados e fez observações em campo para demonstrar que havia incongruências muito suspeitas entre o que diziam as permissões oficiais de corte de árvores e o que de fato estava sendo extraído da mata.

Primeiro, eles compararam o que estava descrito em mais de 400 licenças de extração com um número equivalente de áreas, cada uma medindo 1 hectare de área, que tinham sido analisadas no projeto Radam, dos anos 1970.

O inventário florestal feito durante o Radam dá aos pesquisadores uma ideia do quanto seria possível extrair, em média, das áreas exploradas comercialmente. A comparação se concentrou em 11 espécies vegetais que aparecem com frequência nos dois conjuntos de dados, correspondendo a quase 500 mil árvores derrubadas entre 2012 e 2017.

De cara, discrepâncias claras apareceram no caso dos ipês, cuja madeira de alta durabilidade é muito procurada para o uso em pisos e deques de piscinas. Por seu crescimento lento, a árvore é especialmente vulnerável à exploração descontrolada.

No caso de seis permissões de extração que depois foram analisadas in loco pelos pesquisadores, por exemplo, a intenção declarada era obter mais de 4 metros cúbicos de madeira por hectare, enquanto a densidade natural da espécie é muito menor (0,7 metros cúbicos por hectare).

A mesma coisa acontece com outras espécies valorizadas -em geral, quanto mais cobiçada a madeira, maior a diferença entre a densidade esperada de árvores segundo os dados do Radam e o volume de extração nas permissões.

E isso não acontece porque as permissões estão concentradas em certas áreas onde as árvores cobiçadas são mais abundantes -a distribuição geográfica delas não se concentra em regiões específicas.

As análises de campo deram mais peso às suspeitas. De 152 árvores identificadas como ipês pelos madeireiros, só 61% foram confirmadas pelos pesquisadores -dependendo do local, a taxa de “erro” ultrapassava os 90%. Curiosamente, as árvores identificadas erroneamente como ipês eram, em geral, de espécies pouco valorizadas comercialmente (como tanimbuca, jarana e timborana).

O que está acontecendo, muito provavelmente, é que as permissões estão sendo usadas para “esquentar” madeira de ipê extraída irregularmente -seja em APPs (áreas de preservação permanente, como a beira de rios, nas quais não se pode mexer), seja em reservas indígenas ou unidades de conservação etc.

De posse da papelada, o madeireiro pode afirmar que as árvores foram cortadas de acordo com o plano de manejo nos locais corretos, apesar da fraude.

Parte da dificuldade de evitar esse tipo de subterfúgio vem da falta de gente para fiscalizar a exploração madeireira -apenas 55 funcionários têm de acompanhar todo o processo no Pará, numa área do tamanho do Peru. Não seria difícil aumentar a precisão das análises sem ter de contratar mais gente, porém.

“Na verdade seria muito fácil, com intervenções bobas de tecnologia”, diz Brancalion.

Bastaria informatizar todo o processo de emissão das permissões -hoje, ainda feito na base do papel, em muitos casos- e padronizar o cadastro das espécies extraídas.

Os funcionários verificariam se os números propostos para a exploração batem com o esperado, dentro de uma margem de tolerância, priorizando a avaliação in loco apenas nos casos em que o sistema mostrasse algo fora do padrão. Com informações da Folhapress.

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