Funcionários de diversas empresas já foram expulsos de algumas regiões. Ministério Público do Ceará e Polícia Civil investigam as denúncias

As facções criminosas continuam a impor ordens em comunidades e bairros de Fortaleza e da Região Metropolitana. Nos últimos meses, as quadrilhas têm aumentado o controle sobre a Internet em algumas regiões: elas decidem quais empresas podem instalar o serviço, cobram “mensalidades” destas e expulsam funcionários das empresas que não querem “colaborar”.

A reportagem apurou, com fontes da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e do Ministério Público do Ceará (MPCE), que a prática criminosa ocorre em bairros como Pirambu, Barroso, Pedras e Messejana, na Capital, mas já se espalhou por outras cidades da Grande Fortaleza.

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPCE, abriu uma investigação há cerca de um mês para apurar denúncias sobre esses crimes. Um suspeito de espalhar avisos de uma facção sobre as cobranças a empresas de Internet com tom de ameaça (conhecidos como “salves”) foi preso pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) na última quinta-feira (2).

Uma facção cearense teria começado a cobrar valores dos provedores de Internet para autorizarem a sua entrada e proibido outras operadoras, em algumas regiões, ainda no ano passado, mas a prática se ampliou e foi copiada por facções carioca e paulista que também atuam no Estado neste ano, segundo uma fonte da Inteligência da SSPDS.

Em vários locais já foram reportadas situações desse tipo, não só em Fortaleza. Há informações de empresas cujos cabos foram cortados em uma tentativa de sabotagem. Isso vem ocorrendo há algum tempo, do ano passado para cá, mas esse ano tem sido mais frequente.” FONTE DA INTELIGÊNCIA DA SSPDS – Não quis se identificar

Ainda de acordo com a fonte da Inteligência, “algumas empresas preferem recuar, temem por seus funcionários”, diante das ameaças. Mas alguns provedores de Internet são convenientes e preferem pagar uma “mensalidade” aos criminosos, para não perder a clientela da região. A prática fortalece, em algumas ocasiões, empresas do próprio bairro, sem tantas condições técnicas e que podem até ter como donos membros da facção ou familiares, segundo o policial.

EMPRESA TEVE QUE PAGAR ‘MENSALIDADE’ PARA NÃO FALIR

Uma empresa provedora de Internet, que atua em Fortaleza e que não será identificada, sofreu dificuldades para entrar em algumas regiões da Capital, perdeu clientes e pensou até em fechar. Para continuar a atender a forte clientela da Grande Messejana, a empresa aceitou pagar uma “mensalidade” a criminosos.

R$ 200 – Um funcionário revela que a empresa paga cerca de R$ 200 por mês. Os instaladores já andam com um dinheiro em espécie pronto para serem abordados, quando vão realizar serviços de manutenção nos cabos de Internet, a cada mês.

Antes de aceitar pagar a mensalidade na Grande Messejana, a empresa já tinha recebido informações que funcionários foram expulsos do Pirambu e do Conjunto Habitacional Alameda das Palmeiras, no bairro Pedras.

No Pirambu, o funcionário narra que um carro da empresa chegou ao bairro para realizar manutenção nos fios, quando criminosos armados se aproximaram e cobraram um valor para eles permanecerem no local. Os trabalhadores informaram que não tinham o dinheiro e os faccionados pediram para eles saírem da região. Nos dias seguintes, clientes ligaram para reclamar sobre problemas no serviço e a empresa não mandou mais os técnicos para resolverem a situação, o que resultou no cancelamento das assinaturas.

Facção carioca espalhou 'salves' para delimitar quais empresas provedoras de Internet podem entrar no Pirambu
Legenda: Facção carioca espalhou ‘salves’ para delimitar quais empresas provedoras de Internet podem entrar no Pirambu Foto: Kid Junior

‘SALVES’ COM AMEAÇAS E PRISÃO NO PIRAMBU

Um “salve” de uma facção carioca e áudios de funcionários de empresas provedoras de Internet divulgados em redes sociais corroboram sobre a prática criminosa ocorrer no Pirambu, em Fortaleza. 

Na mensagem, a organização criminosa avisa que “só serão aceitas as operadoras de Internet que estão ajudando nossas comunidades (sic)”. “Essa ajuda vai servir para ajudar a comunidade, o morador que precisar de uma cesta, de um gás e alguma forma que o morador precisar (sic)”, completa.

A reportagem conseguiu contato com quatro das cinco empresas que estão autorizadas a instalar a Internet no bairro, segundo o “salve”. O gerente da Empresa A (nomes preservados) afirmou, por WhatsApp, que “o nome da minha empresa está nesse ‘salve’ não é por culpa minha” e depois apagou a mensagem. Questionado se poderia conceder entrevista sobre o assunto, ele não respondeu, até o fechamento desta matéria.

Funcionários das empresas B, C e D disseram – também pelo aplicativo WhatsApp – que iam procurar o responsável pela empresa para atender a reportagem, mas não houve retorno.

Em áudios recebidos pelo Diário do Nordeste, técnicos de operadoras de Internet avisam a colegas da empresa que receberam ameaças por estarem em locais em que criminosos não permitem a atuação.

Pessoal, eu vim com o meu parceiro aqui instalar aqui no Pirambu na penúltima rua, certo? Aí, a gente foi orientado pelos camaradas aqui da área que não vai aceitar mais a XXX (nome da empresa) aqui não, aí eu pedi pra ele mostrar, e ele pegou o celular ‘aqui ó, galera da comunidade, as internets (que) vão poder instalar nessas áreas aqui são só são essas, certo?’ (sic)”. FUNCIONÁRIO DE EMPRESA DE INTERNET – Identidade preservada

Os funcionários ameaçados e expulsos, que relataram os casos nos áudios, pertencem a pelo menos duas empresas que atuam na Capital e em outras regiões do Estado. Procurada para comentar o assunto, a Empresa E não se manifestou, até a publicação desta matéria.

Já a Empresa F confirmou, em nota, que “acompanha com atenção as denúncias dos casos e segue fazendo o monitoramento das regiões, para garantir, acima de tudo, a segurança de seus colaboradores. De forma responsável e comprometida, a operadora está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações e torce para que a situação seja normalizada”.

O compartilhamento dos “salves” da facção que atua no Pirambu resultou na prisão do paraense Gustavo Gabriel Moraes de Souza, conhecido como ‘Guimê’, de 23 anos, em uma investigação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil.

O suspeito já possui antecedentes criminais no Ceará por tráfico de drogas. As investigações apontam que ‘Guimé’ é suspeito de ser o responsável por emitir comunicados, conhecidos como ‘salves’, com ameaças e orientações do interesse do grupo criminoso. O alvo foi conduzido à sede da Draco, onde foi autuado em flagrante na lei de organizações criminosas.” SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL – No site

Conforme as mensagens espalhadas por ‘Guimê’, a facção carioca cobra uma “taxa” de 30% no lucro das empresas provedoras de Internet, para autorizar a permanência do serviço no local. Interrogado na Delegacia, o suspeito negou ser integrante de facção e compartilhar “salves” com cobranças e ameaças a empresas de Internet e sustentou que trabalha como tatuador.

A Vara de Audiências de Custódia já converteu a prisão em flagrante de Gustavo Gabriel Moraes de Souza em prisão preventiva, em decisão proferida no último dia 3 de setembro.

Fonte: Diário do Nordeste

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