Sem causa definida nem cura, a doença autoimune afeta as saúdes física e mental e requer acompanhamento multidisciplinar – cuja oferta nos hospitais públicos, segundo pacientes, é insuficiente
FOTO: HELENE SANTOS Margarida apresentou os primeiros sintomas aos 12 anos, mas o diagnóstico veio aos 28
Primeiro, metade da face começou a se movimentar sozinha – a boca entortava tanto que a avó, do interior do Ceará, achava que era “mugango” da menina. Mas, Margarida Mororó, à época com 12 anos, nem percebia, já que os movimentos eram involuntários. Outros sintomas semelhantes apareceram, como “mão e pé mexendo só”, mas os nervos lesionados pela Esclerose Múltipla (EM) foram entendidos como “nada, só estresse” pelos médicos de Ipu, a 257km de Fortaleza. O diagnóstico correto só veio 16 anos depois.
Hoje, como presidente da Associação dos Amigos e Portadores de Esclerose Múltipla do Ceará (Aapemce), Margarida sentencia: a falta de diagnósticos precisos e a distribuição irregular de medicamentos tornam ainda mais grave uma doença que já é complexa. “Só descobri quando tive meu segundo filho, aos 28 anos, e já tinha tido surtos antes. Tive vários diagnósticos errados, até de depressão pós-parto. É uma doença difícil de identificar, requer preparo dos médicos e exames adequados. Para quem só tem o SUS, é complicado”, salienta.
Até 2018, conforme dados da Associação, 750 pacientes estavam em tratamento de Esclerose em todo o Estado, número que aumenta semanalmente com novos diagnósticos. A doença é crônica e autoimune (quando as células de defesa do corpo atacam as saudáveis), atinge o sistema nervoso central e provoca dificuldades motoras e sensoriais. “Entre os sintomas estão a perda da visão, dor, fadiga e comprometimento da coordenação motora. As causas ainda são desconhecidas, mas a doença afeta, normalmente, adultos entre 18 e 55 anos, e é mais recorrente em mulheres”, aponta o Ministério da Saúde (MS).
Tratamento
Atualmente, os Hospitais Geral de Fortaleza (HGF) e Universitário Walter Cantídio (HUWC) são as unidades de referência no tratamento da EM no Estado. No HUWC, cerca de 200 pacientes são acompanhados, recebendo “consultas ambulatoriais com enfermeiros e médicos neurologistas, internação, realização de punção lombar, tratamento em centro de infusão especializado e dispensação de medicamentos”, conforme lista a unidade, em nota.
Já no HGF, segundo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), uma média de 68 pacientes com Esclerose Múltipla é atendida mensalmente por “nutricionista, fisioterapeuta e enfermeira, médicos neurologistas, oftalmologistas, otorrinos, ginecologistas e de outras especialidades”. A Pasta ressalta ainda que a unidade atende apenas aos casos de alta complexidade, encaminhados pelos postos de saúde, que são “a porta de entrada para a rede pública de saúde”.
Desassistidos
Na prática, porém, segundo declara Margarida, os cearenses “não têm ajuda nenhuma além de médico e remédio”. “Os pacientes precisam de ressonâncias periodicamente, porque a doença pode progredir ou estabilizar. Mas o Walter Cantídio não tem condições – a pessoa só faz o exame se estiver internada, quando tem um surto. No HGF, vaga para exame também é rara”, lamenta a presidente da Aapemce, que optou por fazer o tratamento em São Paulo.
“O paciente tem que estar amparado, mas não está. Por mais que esteja bem fisicamente, precisa de um psicólogo, por exemplo, porque é uma doença de 90% psicológica. O resto é físico”, descreve.
As vantagens, contudo, não deixam a associação de portadores da doença otimista. “Enquanto o SUS incorpora novos, os antigos estão em falta. Hoje, os pacientes estão recebendo só amostra grátis de Gilenya. Quando se incorpora medicação que o Estado não pode manter, só piora para o paciente. Ele fica ansioso, frustrado e entra em surto”, alerta Margarida.
Estoque
Em nota, o HUWC confirma a falta do medicamento Fingolimode (nome genérico do Gilenya), mas afirma que depende da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (Coasf) da Sesa para abastecer o estoque, o que deve ser feito no próximo dia 17.
A Sesa, por sua vez, diz que tem recebido o repasse do Ministério da Saúde de forma parcelada, e que o último, incompleto, foi entregue ainda em novembro. “Do total de 2.819 comprimidos para outubro, novembro e dezembro de 2018, o MS enviou 1.288 (924 em setembro e 364 em novembro). Atualmente, 60 pacientes recebem”, contabiliza a Secretaria Estadual.
Procurado, o Ministério da Saúde informou ter realizado a entrega de “2.072 unidades do medicamento ao Ceará, em janeiro, para atendimento aos pacientes durante o primeiro trimestre de 2019”. Uma nova remessa, segundo a Pasta, deve ser entregue em fevereiro, “assim que for concluída a compra de um novo quantitativo”. O MS reforçou que cabe à Sesa distribuí-los.
Fonte: Diário do Nordeste