Um edital foi publicado no Diário Oficial do Estado, com o objetivo de implementar as hortas medicinais no Ceará, em parceria com secretarias de Saúde
Quem nunca tomou chá de cidreira ou de camomila para acalmar-se, ou chá de boldo e casca de laranja quando estava com dor de barriga? A medicina popular, à base de plantas, é característica marcante no dia a dia cearense. Por isso, o projeto de Farmácias Vivas trabalha com as propriedades medicinais da flora, como alternativa (e complemento) ao tratamento terapêutico. Em abril de 2019, um edital foi publicado no Diário Oficial do Estado, como maneira de fomentar a prática da medicina alternativa fitoterápica.
“As Farmácias Vivas são unidades farmacêuticas instaladas em comunidades governamentais ou não-governamentais, onde seus usuários recebem medicação preparada com plantas que tiveram confirmação da atividade a elas atribuídas, colhidas nas próprias hortas, que permitem a seus usuários o acesso a um elenco de plantas verdadeiramente medicinais e seus produtos”, explica a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
No último dia 29 de abril, o edital publicado no Diário Oficial do Estado convocou secretarias municipais a enviarem projetos de instalação e implementação de farmácias vivas à Secretaria da Saúde estadual. Além das farmácias, a publicação contempla Organizações de Arranjos Produtivos Locais (APL), instituições que trabalham com orientação à população para o plantio e cuidado de plantas medicinais nas próprias residências.
“Com esse processo, a gente quer firmar um acordo mais seguro com os secretários de saúde, para que isso não acabe. Temos uma verba para auxiliar na implantação do projeto, e a continuidade seria com o próprio município. Podemos ajudar na implantação em municípios que já possuem Farmácia Viva”, complementa Andréa Ramalho, titular do Núcleo de Fitoterápicos (Nufito), da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (Coasf).
De acordo com a coordenadora do Nufito, esse edital publicado em 2019 faz parte de um processo que se iniciou em 2016 com verba federal, do Ministério da Saúde, de R$ 1 milhão. A Sesa tem até 2020 para investir todo o repasse, mas a coordenadora não precisou quanto foi gasto até agora.
A professora Mary Anne Medeiros Bandeira, ex-coordenadora estadual do programa, e considerada um dos principais nome no Estado em relação às farmácias vivas, revela que, em 2017, foi realizado um diagnóstico das unidades no Ceará.
A pesquisa constatou 99 farmácias, sendo 58 governamentais, 26 gerenciadas por Organizações Não-Governamentais (ONGs) e 15 instaladas em instituições de ensino superior. Contudo, desse total, apenas 42 (42,4%) foram consideradas “em atividade”.
Histórico
A falta de conhecimento sobre a quantidade se agrava especialmente pelo histórico do Estado em relação à terapêutica fitoterápica. “O Ceará foi pioneiro na regulamentação da utilização, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de plantas medicinais, fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia. Decreto publicado no Diário Oficial do Estado, em janeiro de 2010, autorizou a Secretaria da Saúde ‘a implantar a política de incentivo à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico, à produção e à inovação de produtos fitoterápicos, a partir da biodiversidade regional'”, relembra a Secretaria da Saúde.
A ex-coordenadora, Mary Anne, e Andréa Ramalho, atual titular do Núcleo de Fitoterápicos (Nufito), da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (Coasf), não souberam precisar o número de unidades funcionando atualmente. Porém, Mary Anne destacou que o funcionamento desses projetos esbarra na descontinuidade causada por interesses políticos e/ou financeiros.
“Muitas vezes, as farmácias vivas sofrem descontinuidade política. Por exemplo, um gestor implanta uma unidade, mas o outro que entra não dá continuidade, por questão política ou financeira, comenta Mary Anne. “Esse edital vem oficializar o vínculo do Estado com o município”, reforça, sobre uma publicação no Diário Oficial do Estado, para dar continuidade aos projetos de maneira mais concreta.
Trabalho voluntário
O dinheiro do edital será investido em farmácias vivas e APLs sob organização das secretarias municipais, ou seja, de ordem governamental. Contudo, as unidades do Estado também são tocadas por ONGs; e, em Fortaleza, essas instituições se localizam principalmente na periferia.
Homenagem
É o caso da Farmácia Viva Professor Abreu de Matos, localizada no Bairro Jangurussu. A unidade, batizada em homenagem ao falecido professor Francisco José de Abreu Matos, que dedicou a vida e a pesquisa acadêmica aos benefícios do uso de plantas medicinais, permite que crianças e adolescentes tenham contato com as propriedades medicinais da flora cearense.
“As crianças participam do plantio, do cuidado, de tudo. A nossa (farmácia) é a do Tipo 1. Quem participa leva lambedor, leva outras coisas. Mas só quem participa no sentido de cuidar, plantar e fazer quase tudo”, explica Célia Almeida, coordenadora e voluntária do Fundo de Atenção Comunitário (FAC), responsável pela horta medicinal.
“Eu chamo e digo: vamos fazer um lambedor para tosse. Quer participar?’. Se vem participar, leva. Ninguém faz para dar ‘por dar’. E também, se alguém que participa precisar de alguma folha, a gente dá. Mas para quem participa”, reforça Célia.
O investimento repassado ao Ceará em 2016 seria de grande ajuda para as ONGs que cuidam das farmácias vivas. Na unidade do Jangurussu, Célia informa que nunca receberam apoio financeiro do poder público. Ela informa que a horta vende plantas ornamentais sob encomenda, para conseguir renda fixa.
Fonte: Diário do Nordeste