Novo presidente já enfrentará um novo desafio: eleições legislativas no mês de junho
A eleição do centrista Emmanuel Macron, 39 anos, como novo presidente da França foi comemorada na União Europeia, mas pode ser apenas o primeiro capítulo de uma instabilidade política que vem surgindo com a derrocada do modelo bipartidário das principais democracias do bloco.
Ao contrário do Brasil, onde as eleições legislativas coincidem com a presidencial, a votação para formar a Assembleia Nacional francesa, câmara baixa do Parlamento, só será realizada daqui a um mês. Até lá, Macron não saberá se terá maioria no Congresso. Em um continente onde a tradição dominante é a do parlamentarismo, a França adota um sistema político um pouco diferente, um semipresidencialismo que concentra poderes no chefe de Estado, mas mantém a figura do primeiro-ministro para lidar com o dia a dia do governo.
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No modelo francês, o presidente da República, além de cuidar de questões de defesa e política externa, é responsável por determinar as diretrizes do país e por nomear o premier, mas este precisa necessariamente refletir a composição de forças no Parlamento. Daí é que pode nascer o impasse.
Se as eleições legislativas repetirem o cenário da disputa pelo Palácio do Eliseu, serão quatro blocos brigando pelo voto popular: a esquerda, dividida entre o Partido Socialista (do ainda presidente François Hollande) e o movimento radical França Insubmissa (de Jean-Luc Mélenchon); o novo centro social-liberal representado por Macron; a direita de François Fillon; e a extrema direita de Marine Le Pen.
Isso indica a hipótese de nenhum grupo conseguir maioria suficiente entre os 577 deputados da Assembleia Nacional, o que pode dificultar a vida do presidente eleito. “Macron é mais de centro, terá chances de construir uma maioria após as eleições.
Porém é bem possível que haja um período de instabilidade e a necessidade de formar uma coalizão”, diz, em entrevista à ANSA, Kai Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).
Da forma como é hoje, o sistema eleitoral da Assembleia Nacional não favorece partidos considerados como “outsiders”. Na França, a votação para escolher os 577 deputados é distrital, majoritária e em dois turnos. Para ser eleito no primeiro, o candidato precisa obter maioria absoluta dos votos válidos e o apoio de pelo menos um quarto dos eleitores inscritos.
Caso ninguém satisfaça essas condições, irão para o segundo turno os dois postulantes mais votados, além daqueles que alcançarem pelo menos 12,5%. Candidatos extremistas tendem a sofrer com esse modelo, já que, mesmo populares, costumam ter altos índices de rejeição. Em 2012, por exemplo, a Frente Nacional, da candidata derrotada Marine Le Pen, obteve mais de 13% dos votos no primeiro turno, mas acabou elegendo somente dois deputados.
Já os problemas de Macron serão de ordem diferente: seu movimento, o Em Marcha!, possui apenas um ano de vida e ainda está montando uma estrutura para as eleições legislativas. Apesar de ter recebido 14 mil inscrições de candidaturas, o movimento centrista apresentou poucos postulantes a deputado até agora.
“Mas eu não vejo isso como um grande problema. Embora se coloque como de centro, ele participou do governo socialista”, ressalta Maurício Fronzaglia, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Um cenário possível é de que o novo presidente não consiga construir uma maioria no Parlamento e seja forçado a nomear um primeiro-ministro de oposição, repetindo algo raro, mas não inédito na história republicana da França.
Chamada de “coabitação”, essa situação já aconteceu em três ocasiões: a primeira entre 1986 e 1988, quando o chefe de Estado socialista François Mitterrand conviveu com o premier conservador Jacques Chirac; entre 1993 e 1995, quando o mesmo Mitterrand teve como primeiro-ministro o também direitista Édouard Balladur; e entre 1997 e 2002, quando Chirac, agora presidente, teve como chefe de governo o socialista Lionel Jospin.
“Isso já aconteceu algumas vezes e não teve grandes problemas de governabilidade pela questão institucional do presidencialismo francês”, acrescenta Fronzaglia. Em 2000, uma reforma constitucional reduziu o mandato do chefe de Estado de sete para cinco anos, para que seu período no poder coincidisse com a duração da legislatura, diminuindo a chance de “coabitações”.
No entanto, o que essa mudança não previa era o rompimento da disputa bipartidária, que agora pode fazer a França voltar a ter, após 15 anos, um presidente e um primeiro-ministro que caminhem para lados opostos. (ANSA)