Mangueira fez o melhor desfile deste domingo na Sapucaí, usando como tema de enredo o próprio Carnaval

Teve China, teve Índia, Chacrinha e carnaval. Teve África, crítica social, política, tecnologia, Paulo Barros – em um momento que não deve entrar para o currículo como um dos mais brilhantes. Teve drama (sem feridos!), teve grana (muita!), surpresas e ideias repetidas e previsíveis.

Em suma, teve carnaval, e foi com ele e sobre ele que a Mangueira fez o melhor desfile deste domingo na Sapucaí, à frente de Império Serrano, São Clemente, Unidos de Vila Isabel, Paraíso do Tuiuti, Grande Rio e Mocidade Independente de Padre Miguel.

A parte de baixo da tabela prometia uma briga boa entre Império Serrano – de volta ao Grupo Especial após nove anos –, Paraíso do Tuiuti e São Clemente. Finda a noite, a escola de São Cristóvão sai na frente das coirmãs. Com o enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?” (o nome vem de um verso do clássico samba-enredo “Sublime pergaminho”, entoado pela Unidos de Lucas em 1968), o Tuiuti mostrou riqueza e bom gosto visuais ao questionar a liberdade do povo negro, e caiu nas graças do público.

Um dos melhores sambas-enredo do ano, de Moacyr Luz, Cláudio Russo, Dona Zezé, Jurandir e Aníbal – encomendado a eles pela escola, que não promoveu concurso para este carnaval – comoveu a plateia, mesmo tendo se mostrado pesado e algo cansativo para a avenida.

O desfile, que começou com uma comissão de frente dilacerante, de pretos velhos, homens sábios na tradição africana, não se aprofundou na questão da escravidão e sua herança maldita, optando por um caminho tradicional pelo Continente Negro, com animais e trajes típicos. Apenas no fim vieram a favela e as críticas políticas do carnavalesco Jack Vasconcelos. De qualquer forma, o bem-acabado Tuiuti tem boas chances de permanecer no Grupo Especial.

Suas concorrentes largam atrás, mas não sem méritos: o “pobrinho” Império Serrano abriu a noite com uma performance intensa de samba-enredo (puxado por Marquinhos Art’Samba) e bateria (do Mestre Gilmar), acompanhados com garra pelo povo da Serrinha. O carnavalesco Fábio Ricardo caprichou nas (previsíveis, diga-se) alegorias chinesas, com dragões, leques e quimonos, mas “O Império na rota da China”, bem-recebido pelo público, ainda corre riscos.

A São Clemente foi, de certa forma, o contrário da coirmã de Madureira: bem na parte plástica e fraca em carnaval. Jorge Silveira, estreante no Grupo Especial, mostrou bom gosto e criatividade – numa linha próxima à de Rosa Magalhães, ex-carnavalesca da agremiação de Botafogo – em “Academicamente popular”, sobre os 200 anos da Missão Francesa no Brasil, mas samba, bateria e componentes, ou o que o mundo do samba chama de “chão”, deixaram muito a desejar.

Entre as disputas por cima e por baixo, há a Grande Rio: a escola de Duque de Caxias, que sempre belisca um Desfile das Campeãs, podia sonhar com seu primeiro título ao apresentar-se pela primeira vez pelas mãos do mestre Renato Lage, mas tudo foi por água abaixo com o carro alegórico cuja “saia” (a lateral, que se aproxima do solo) ficou presa em um meio-fio na concentração, ainda na Avenida Presidente Vargas.

O longo atraso deve tirar pontos da tricolor em quesitos diversos, e o Sábado das Campeãs fica praticamente inatingível. Mas, verdade seja dita: não era um trabalho no nível do que o público se acostumou a ver com Lage no Salgueiro (2003-2017) ou na Mocidade (1990-2002). “Vai para o trono ou não vai” homenageava Chacrinha, figura pop que tinha tudo para render um belo desfile.

Colorida, grandiosa e bem acabada, a Grande Rio não mergulhou no Tropicalismo nem na história de vida do apresentador pernambucano, ficando sempre na superfície. Émerson Dias provou mais uma vez que é um dos melhores puxadores do grupo, mas milagre com um samba fraco como aquele, fica difícil fazer.

Sobram Vila, Mangueira e Mocidade em busca do alto do pódio. Com Paulo Barros (campeão com a Portela em 2017) à frente, a escola do bairro de Noel Rosa impressionou no visual e no uso de tecnologia: tudo rodava em “Corra que o futuro vem aí”, uma boa desculpa para o carnavalesco high-tech (rótulo muito usado para se falar de Renato Lage em seus tempos em Padre Miguel) pirar na batatinha com robôs, engrenagens e telas de LED (inclusive foi criado o apelido maldoso “ViLED Isabel”).  No entanto, como já aconteceu em outros de seus trabalhos, faltou carnaval em meio a tanta tecnologia, apesar da boa performance do samba-enredo, um dos melhores do ano.

Já Leandro Vieira, a maior revelação do carnaval desde o título da Mangueira com “A menina dos olhos de Oyá”, de 2016, prometeu e cumpriu. “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco” foi um bloco de luxo, que carregou as arquibancadas consigo. Com alegorias de extremo bom gosto, o carnavalesco criticou a implicância do prefeito Marcelo Crivella com o carnaval – o alcaide apareceu de Judas, em um ligeiro excesso verde e rosa – e, principalmente, louvou a folia, desde o esquenta com marchinhas até o bloco de sujo (divinamente trajado) com mil foliões cercados por uma corda que encantou o público.

Fechando a noite, a Mocidade tinha tudo para defender o título, mas o retorno às Campeãs no lugar mais alto do pódio não deve acontecer. Apesar do bom trabalho visual do carnavalesco Alexandre Louzada, samba e bateria tiraram a brejeirice da escola, que passou burocrática em sua homenagem à Índia – num mergulho nada criativo em uma cultura e uma história tão ricas.

Com informações O Globo

 

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