Pela terceira vez em dois meses, indígenas de várias etnias do Ceará organizam protestos contra mudanças na regra de demarcação de terras no Brasil; mobilizações acontecem nesta quarta-feira, 1º
Nesta quarta-feira, 1º, dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar a ação que pode instituir o chamado ‘marco temporal’ na demarcação de terras no Brasil, indígenas de ao menos 12 etnias vão participar de novas manifestações na Capital e no Interior do Ceará. Os atos foram convocados pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), junto com outras cinco entidades representativas. Estão previstas manifestações em Fortaleza, Crateús e Itarema.
Na capital cearense, a mobilização acontecerá na Praça Murilo Borges, em frente à sede da Justiça Federal, a partir das 13 horas. Os organizadores planejam instalar um telão no local para transmitir ao vivo a sessão de julgamento na corte. Em Crateús, o ponto de encontro dos manifestantes será a BR 226, às 13h30min. Já em Itarema, onde o ato foi agendado para às 15h00min, os indígenas devem interditar um trecho da CE-085, nas proximidades da rotatória.
Essa é a terceira vez em 2021 que povos originários do Ceará promovem manifestações contra mudanças na regra de demarcação de terras no Brasil. A primeira mobilização ocorreu no dia 30 de junho, em Caucaia, Pacatuba e Crateús, contra o Projeto de Lei 490/2007, que também prevê alterações na delimitação de território para grupos indígenas. A matéria havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara no dia 23 do mesmo mês, mas segue trancada na pauta de votações do plenário. Um segundo protesto foi realizado no último dia 25 de agosto, em Caucaia, com as atenções voltadas ao julgamento do STF.
As lideranças indígenas acreditam ainda que uma eventual decisão favorável do Supremo poderia enfraquecer a proposta legislativa, uma vez que as duas matérias tratam sobre a mesma questão. A diferença é que o PL, além de instituir o marco temporal, também abre margem para a exploração de terras indígenas por garimpeiros e proíbe a ampliação de áreas já demarcadas.
Para o advogado indígena Jorge Tabajara, um dos organizadores das manifestações marcadas para esta quarta-feira, a proposta de mudança na regra de demarcação fere direitos e desrespeita a história dos primeiros habitantes do território brasileiro. “O nosso direito sobre as terras que tradicionalmente ocupamos é originário e dispensa qualquer definição de tempo, pois somos os primeiros povos efetivamente a estar e ocupar os nossos territórios, e não ao chegar, como muitos invasores. A mãe terra é para nós a mãe de todas as mães, sendo nosso dever proteger, respeitar e defender sempre que for ameaçada”, enfatiza.
Entenda o marco temporal
A regra prevê que os indígenas só poderiam reivindicar direito por terras ocupadas até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Na prática, o dispositivo condiciona a demarcação a um comprovante de posse, o que hoje não é exigido pela legislação.
O assunto é discutido desde 2009, quando o STF deu uma decisão favorável a um grupo de indígenas que disputava com produtores de arroz a terra Raposa Serra do Sol, em Roraima. À época, os povos tradicionais alegaram que eles já estavam no local antes da Constituição de 1988. Isso fez com que, em 2013, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) usasse a mesma tese contra os povos indígenas Xokleng, de Santa Catarina, que concedeu ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse das terras Ibirama LaKlãnõ, ocupadas pelos indígenas posteriormente a 1988.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu da decisão no Supremo, recurso este que está sendo julgado agora. Apesar de se tratar de um caso específico, o STF reconheceu a repercussão geral do recurso. Isso significa que a decisão tomada neste julgamento terá consequências para todos os povos indígenas do Brasil, sendo obrigatoriamente aplicada em casos similares. O julgamento foi iniciado na última quinta-feira, 26, com a leitura do voto do ministro Edson Fachin, contrário à tese do marco temporal, e será retomado nesta quarta-feira, quando estão previstas manifestações de povos indígenas em várias cidades pelo Brasil.
Impactos no Ceará
De acordo com levantamento do (Fepoince), o Estado do Ceará conta com ao menos 22 territórios reivindicados por povos indígenas, dos quais apenas dois estão regularizados: a terra Córrego João Pereira, da etnia Tremembé, em Itarema, e a reserva Taba dos Anacé, do povo Anacé, em Caucaia. As outras 20 áreas estão em fase de demarcação ou enfrentam algum tipo de pendência judicial.
Ainda de acordo com a Fepoince, das 22 terras reivindicadas pelos indígenas, apenas duas solicitações foram formalizadas antes de 1988. Com isso, caso o marco temporal fosse aprovado, pelos menos 20 etnias teriam de deixar seus territórios de origem em eventuais decisões judiciais decorrentes do julgamento do STF.
Para Thiago Anace, liderança indígena da reserva Taba dos Anacé, o julgamento da ação na corte brasileira pode representar um divisor de águas nos direitos à exploração de terras por povos originários. “É bem grave o que está em jogo nesse julgamento. O marco temporal é a institucionalização da grilagem e da invasão das terras indígenas. Estamos num momento histórico, em que o futuro da demarcação dos territórios indígenas em todo o Brasil depende dessa votação no STF”, afirma.
Fonte: O Povo Online