Hildemar Diniz, o Monarco, líder da Velha Guarda da Portela, um dos maiores cantores da história do samba e figura altamente respeitada no meio musical morreu neste sábado, dia 11

LUIZ FERNANDO VIANNA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Hildemar Diniz, o Monarco, líder da Velha Guarda da Portela, um dos maiores cantores da história do samba e figura altamente respeitada no meio musical morreu neste sábado, dia 11, aos 88 anos, no Rio de Janeiro.


Pode-se até imaginar que seu apelido é uma variação de monarca e faz alusão à sua nobreza. Mas não é bem assim. A primeira parte está certa. Hildemar, que teve sua morte confirmada pela Portela após complicações de uma cirurgia no intestino que ele fez no mês passado, tinha seis ou sete anos de idade quando ouviu um colega lendo a palavra “monarca” num gibi.
Gostou tanto que pediu para ouvi-la várias vezes. A turma em volta, para caçoar, tascou-lhe o apelido Monarca. Como terminava em “a”, parecia afeminado. Pouco tempo depois, o próprio caçoado adaptou para Monarco.


A segunda parte, a do seu reconhecimento como um rei de seu ofício, se deu de forma lenta. Embora antes dos 20 anos ele já tivesse um samba seu cantado por toda a Portela, só na década de 1980 Monarco foi entronizado como cantor e compositor de primeira linha.


Não é absurdo imaginar que alguém cuja biografia é indissociável de uma escola de samba tenha crescido na quadra da agremiação. Este não é o caso de Monarco.


Ele nasceu em 17 de agosto de 1933 no subúrbio carioca, mas no bairro de Cavalcante, não no de Oswaldo Cruz, berço da Portela. Com um ano, foi com seus seis irmãos para Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Era uma vida difícil, como registra Henrique Cazes no livro “Monarco – Voz e Memória do Samba”. Sua mãe, Altair, quase não dormia: embalava laranjas durante o dia, lavava e passava roupas para clientes à noite. E ainda cuidava dos filhos, que assumiu praticamente sozinha depois de se separar do marido, o marceneiro e poeta José Felippe, quando Monarco tinha seis anos. O menino entregava os pacotes de roupa passada pela mãe.


A inteligência engana, mas Monarco estudou só até o terceiro ano do antigo primário. Tinha que ganhar dinheiro para ajudar Altair. Aos 14 anos, conseguiu seu primeiro emprego: office-boy da Associação Brasileira de Imprensa. Foi demitido ao ser flagrado sambando com uma vassoura erguida, como se segurasse um estandarte.


É que já estava influenciado por sua nova vizinhança. Desde os 13 anos, morava com a família em Oswaldo Cruz, ao lado de Madureira. Fascinou-se pela malandragem e pela musicalidade da região, mas não podia se dedicar a elas. Aos 18 anos, teve uma filha com Deolinda, Nigmar, e se casou com Maria Teresa, que lhe deu Mauro. Dividia-se entre empregos de curta duração e biscates.


Foi se aproximando aos poucos dos músicos do bairro, a começar por Jaime Silva, que ficaria célebre por compor “O Pato”, sucesso de João Gilberto. Um irmão de Jaime, Dição, deu a Monarco lições de cavaquinho. Era o que faltava para ele trocar os versinhos que fazia por composições de verdade.


O primeiro samba que considera para valer nasceu como “Retumbante Vitória”, mas entrou para a história como “O Passado da Portela”. É de 1952, e o refrão nunca deixou de ser cantado pelos amantes da escola. “O que nos vale é a fé/ Que encoraja e conduz/ Portelense de verdade/ Que defende Oswaldo Cruz.”


O samba encantou tanto Natal, o todo-poderoso bicheiro da escola, que foi apresentado no ensaio mesmo Monarco sendo um desconhecido. Acabou escolhido para o aquecimento do desfile de 1953. Curiosamente, Monarco nunca teve um samba-enredo seu vencedor nas disputas da Portela, só em outras agremiações, como a Unidos do Jacarezinho, mas preserva essa emoção que sentiu aos 19 anos.


Dado o pontapé inicial, ele ganhou coragem para se aproximar de outros portelenses. Entre suas principais composições estão parcerias com Chico Santana (“Lenço”, “De Paulo a Paulinho”), Alcides Malandro Histórico (“Amor de Malandro”, “Enganadora”), Mijinha (“Sofres porque Quer Liberdade”, “Falsa Recompensa”), Walter Rosa (“Tudo Menos Amor”). E ainda teve a ousadia de complementar sambas de Paulo da Portela, nome maior da escola: “O Quitandeiro”, “Serei Teu Ioiô”, “Este Mundo É uma Roleta”.


Na lista de composições sem parceria, destacam-se reverências à sua agremiação: “Portela sem Vaidade”, “Saudades da Portela”, “Homenagem à Velha Guarda da Portela”, “Passado de Glória”. Esta última deu título ao primeiro disco da Velha Guarda, produzido por Paulinho da Viola em 1970. Monarco aparece na foto da contracapa, mas não participou da gravação da música porque estava na feira, trabalhando especialmente como peixeiro, o que lhe permitiu ajudar no sustento dos filhos.


Como compositor, ele se filiou ao que se chama de “estilo da Portela”, com melodias em tons menores e certa melancolia. Embora contemporâneo de Candeia, Casquinha, Bubu e outros portelenses mais ligados ao partido-alto, Monarco se manteve próximo da linha mais antiga. Somando isso ao verso inicial de “O Passado da Portela” (“Um dia, um portelense de outrora”), explica-se a faixa com que ele foi recebido num show: “Hoje – Monarco e seu pessoal de outrora”.


Como cantor, embora já fosse admirado muito antes, só teve chance de gravar o seu primeiro disco em 1976. Depois vieram outros, sempre elogiados pela crítica, mas em periodicidade irregular. O último é de 2014 e, numa alusão a seus 80 anos, chama-se “Passado de Glória”. Em 2012, gravara “Família Diniz – Um Coração Azul e Branco”, assumindo a condição de patriarca de um clã musical, do qual fazem parte seus filhos Mauro Diniz (notório cavaquinista e arranjador) e Marquinho Diniz (compositor, integrante do Trio Calafrio).


E foi um jovem muito amigo de seu filho Mauro quem o alçou ao posto de autor de sucesso. Na voz de Zeca Pagodinho, duas parcerias suas com Ratinho, “Coração em Desalinho” e “Vai Vadiar”, estouraram, respectivamente, em 1986 e 1998, e continuam sendo muito cantadas.
Monarco não é apenas o rosto e a voz da Velha Guarda da Portela, mas a memória de sua escola, de Paulo da Portela a Paulinho da Viola, como diz na letra de seu samba. Foi escolhido, em 2013, presidente de honra da Portela, posição que reforça a sua condição de monarca.


O sambista deixa a mulher, filhos e netos. Ainda não há informações sobre velório e enterro. Nesta sexta-feira, dia 10, um dia antes de sua morte, ele foi homenageado durante a inauguração da sala de troféus da Portela, que leva seu nome.

Fonte: Notícias ao Minuto

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