O atacante do Manchester City e da seleção brasileira publicou um texto no site “The Players Tribune”

Assim como Ronaldo, Dani Alves, Marcelo e Pelé, Gabriel Jesus publicou um texto no site “The Players Tribune”, nesta segunda-feira (17), relatando as memórias de sua trajetória no futebol. O atacante do Manchester City emocionou ao falar sobre a infância complicada, o início difícil na várzea, entre outros momentos de sua história.

“Eu cresci num bairro chamado Jardim Peri, na Zona Norte de São Paulo, e para algumas pessoas que moram lá a vida é uma luta. Mas eu tive minha mãe. Que trabalhava muito duro e garantia sempre à nossa família comida na mesa. Mas para muitos garotos com os quais eu cresci era mais difícil. Às vezes, eles só tinham uma única refeição no dia, e essa era a que eles recebiam dentro do clube. Para ser sincero, muitos deles nem mesmo apareciam para jogar. Eles só vinham para se encontrar e comer de graça um sanduíche de mortadela com refrigerante. Era sempre pão com mortadela e uma lata de refrigerante.

Às vezes, era só refrigerante. E isso tinha que durar até o fim do dia”, disse o jogador.

Gabriel começou a jogar futebol no clube amador Pequeninos.

“Para mim, todos os meus sonhos, todas as coisas que eu tenho agora – tudo isso começa com o Pequeninos. Na verdade, é mais do que um clube de futebol. Não pense nas praias e todo esse tipo de coisa. Nosso campo era do lado de fora de uma prisão militar. No lugar onde era para ter o gramado, só havia sujeira e estava cercado por grandes pinheiros. As únicas pessoas que jogavam lá além das crianças eram os policiais dessa prisão”, lembrou o camisa 33 do Manchester City. E continuou.

“Quando eu tinha nove anos de idade, eu apareci lá com meu amigo Fabinho, para ver se nós podíamos jogar pelo time. Nós andamos pela mata com as nossas chuteiras de futebol embaixo do braço. E foi então que nós conhecemos o cara que mudou nossas vidas – José Francisco Mamede, técnico do time mais novo. E ele disse pra gente “Com certeza, vocês podem jogar na próxima partida. Não tinha nenhum papel para assinar, nada. Porque este clube não era do tipo que tentava fazer crianças se transformarem em lucro – tem a ver com mostrar para essas crianças algo positivo, e dar a elas alguma coisa para comer e mantê-los longe das ruas. O Pequeninos não é um clube grande, então provavelmente você nunca ouviu a respeito. Mas eu tenho de dizer, eles fazem milagres por lá”, acrescentou.

Abaixo, separamos alguns trechos do relato de Gabriel Jesus para a “The Players Tribune”. Confira:

INFÂNCIA

Em casa, não tinha muita coisa para fazer. Meu pai deixou a família logo depois que eu nasci, então minha mãe trabalhava todo o santo dia para sustentar a mim e a meus irmãos. Ela era faxineira na cidade, e quando ela voltava para casa no fim do dia, ela tinha que dividir a cama comigo e com um dos meus irmãos.

Alguns garotos têm videogame. Eu tinha a bola e a minha imaginação. E foi legal porque eu tive uma infância de verdade. Havia esses grandes torneios de futebol em que cada rua tinha um time, e o troféu era uma garrafa de refrigerante. Cara, era uma guerra por aquele refrigerante. É tudo o que você tem, sabe? Na real, aquilo era mais importante pra gente do que uma Copa Libertadores.

A SAGA PARA CONSEGUIR UM GRANDE CLUBE

No Brasil, se você tem sonho de se tornar um jogador profissional, você geralmente está na Academia de um grande clube aos 12 ou 13 anos. Mas, por alguma razão, as coisas não estavam funcionando para mim. Eu fiz um teste no São Paulo Futebol Clube, e eles gostaram de mim, mas então me disseram que não poderiam me oferecer um quarto na Academia, que era muito longe da minha casa. Se eu fosse de ônibus para lá todos os dias, eu teria que largar a escola e minha mãe… hahaha… certamente não aceitaria isso. Ela era totalmente a favor da escola.

Eu devo tudo para minha mãe principalmente nessa fase da minha vida. Porque muitos garotos no Brasil, quando são de origem mais humilde, têm de começar a trabalhar quando fazem 14 anos de idade para ajudar a família. Eles não podem jogar futebol, ir para a escola e trabalhar ao mesmo tempo. Então, o sonho deles morre nesse momento.

Mas minha mãe… cara, ela acreditou em mim. Seja qual for a razão, ela acreditou. Ela falou para eu continuar, não importando o que eu tivesse que fazer.

JOGAR NA VÁRZEA

A várzea é como o basquete de rua nos Estados Unidos, ou como a Liga semiprofissional de futebol na Europa. Os campos são todos esburacados e você joga contra os marmanjos – os caras casca grossa. A várzea é conhecida por ser de extremo contato físico. Tinha muita coisa pesada acontecendo no campo.

Existe uma expressão no Brasil, e é a única forma de descrever o que aconteceu comigo. Minha vida mudou da água pro vinho. Cinco anos atrás, eu estava jogando na várzea, apenas tentando sobreviver, apenas tentando chegar num clube grande no Brasil. A várzea me deu uma boa perspectiva. Eu joguei com grandes jogadores que hoje são motoristas de ônibus, ou trabalham no supermercado, ou são pedreiros. E não foi porque eles não eram bons jogadores ou porque não se esforçavam. O que conta nessas horas é a sorte e a oportunidade. Algumas pessoas têm que ir atrás do seu sustento e não podem ficar correndo atrás dos seus sonhos.

PALMEIRAS

Eu tive a oportunidade de fazer um teste para o Palmeiras quando eu tinha 15 anos, e tudo decolou a partir dali. Acho que não consigo nem explicar. Foi como destino, de certa forma.

Deus escreveu tudo perfeitamente.

Eu fiquei com o time júnior e assinei o meu primeiro contrato de verdade. De lá para cá, o tempo passou voando… Fui para o time principal, consegui me destacar e, para minha surpresa, cheguei até a Seleção Brasileira e pude participar dos Jogos Olímpicos Rio 2016.

Quando recebi a ligação, foi uma emoção inexplicável.

Para fazer você entender o que esse momento significou para mim… apenas dois anos antes, eu estava nas ruas do Jardim Peri pintando as calçadas de verde e amarelo para a Copa do Mundo de 2014. Os caras da vizinhança que desenhavam muito bem fizeram grandes murais – com os rostos dos jogadores brasileiros, como David Luiz e Neymar – e nós estávamos ajudando a deixar tudo aquilo colorido.

Eu realmente admiro o Neymar pelo modo como ele lidou com tudo isso e pela maneira que ele conseguiu liderar nosso time.

Antes do campeonato, eu era apenas mais um fã do Neymar, como tantas outras pessoas. Ele é um jogador de futebol incrível, que todo muito conhece. Mas ter a chance de saber quem ele é de verdade durante esse período…foi especial, por causa do jeito dele. A forma que ele trata todo mundo me surpreendeu bastante – porque mesmo no curto período de tempo que eu vivi no futebol, eu vi tantos caras que nem são grandes jogadores, que não ganharam nada, serem mascarados. Mas o Neymar trata todo mundo como se fosse irmão dele. Ele foi a grande razão pela qual a gente foi capaz de se unir e ignorar a pressão e jogar um para o outro.

COPA DO MUNDO RÚSSIA 2018

Eu quero fazer tudo o que estiver ao meu alcance para fazer parte da equipe da Copa do Mundo de 2018, e eu sei que há muita disputa para ver quem será convocado. Essa foi a grande razão pela qual eu decidi vir para o Manchester City. Eu sei que eu preciso continuar me desenvolvendo como jogador.

ALÔ, MÃE

Quando eu faço um gol, mesmo quando ela não está no estádio, eu “pego o telefone” e falo com ela.

Quando a gente era criança, a minha mãe ficava ligando o tempo todo para descobrir onde é que eu estava, e se eu não atendesse, ela começava a ligar para todos os meus amigos.

Era apenas uma piada entre a gente.

“Alô, Mãe!”

Quando eu pego o telefone é em homenagem à minha mãe e à nossa luta. Mas também é uma homenagem aos meus amigos e à minha família, e também ao técnico Mamede e a todas as pessoas no Brasil que me ajudaram a chegar até aqui.

Fonte: Notícias ao Minuto

Por: MP

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