Na Inglaterra, cientistas anunciam sucesso em experimento que mata o HIV escondido no corpo. No Brasil, avança pesquisa que também quer destruir o vírus
Na história da medicina, poucas doenças foram tão estudadas quanto a Aids. Agora, trinta e cinco anos após o surgimento dos primeiros casos, começam a aparecer os resultados mais animadores dos caminhos pavimentados em direção à cura. As notícias vêm de várias partes do mundo. Recentemente, cientistas ingleses anunciaram que pelo menos um, entre 50 pacientes acompanhados em um experimento que visa a derrota do HIV, não apresentava mais sinais do vírus dentro do organismo.
O britânico de 44 anos que não teve o nome revelado submeteu-se a uma estratégia chamada pelos ingleses de “kick and kill”, algo como chutar e matar. Consiste em tentar vencer um dos obstáculos que até agora impede a cura. Os remédios antirretrovirais evitam a replicação do HIV dentro do organismo, mas o fazem somente nas células infectadas nas quais o vírus está ativo. No entanto, em muitas o HIV permanece em estado de latência, adormecido. Por essa razão, mesmo que seja indetectável a quantidade do vírus no sangue, ele continua no corpo, escondido. Se os remédios são suspensos, o vírus que dormia, acorda.
O esquema montado por especialistas de cinco respeitadas instituições inglesas – reunidos em um consórcio criado especialmente para achar a cura da doença – pretende acordar o vírus adormecido (a parte do “chutar”) para matá-lo. Faz isso em duas etapas. Primeiro, uma vacina fortalece o sistema imunológico do paciente para detectar e combater as células infectadas. Depois, uma droga chamada vorinostat, usada no tratamento do linfoma (tipo de câncer), entra em cena para ativar o HIV latente. Desta maneira, o vírus fica finalmente vulnerável ao ataque do sistema de defesa e também dos antirretrovirais.
Ainda é cedo para dizer se o paciente está curado. “Ele terminou o tratamento, que vimos ser seguro e bem tolerado”, ressaltou Sarah Fidler, professora do Imperial College London, uma das instituições participantes. “Mas só em 2018, quando finalizarmos o trabalho, saberemos se chegamos à cura.” A prudência é compreensível, mas os cientistas sabem que deram um passo importante. “Estamos fazendo uma das primeiras tentativas sérias em relação à cura”, disse Mark Samuels, que também participa do projeto.
“Somos os únicos no mundo a aplicar uma forma de ataque tão abrangente contra o HIV”
Ricardo Diaz, infectologista, coordenador do estudo brasileiro
No Brasil, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo executam experimento com igual ambição. Sob o comando do infectologista Ricardo Sobhie Diaz, trinta pacientes participam de um protocolo ainda mais amplo do que o inglês. Duas medicações são usadas para tornar o tratamento mais forte, uma ativa o HIV dormente nas células e outra mata as células nas quais o vírus está escondido. Além disso, uma vacina, feita com o vírus extraído do próprio paciente, é o recurso com o qual pretende-se atingir o HIV escondido nos chamados santuários. São locais do corpo onde os antirretrovirais ou não conseguem chegar ou chegam com fraca atuação (sistema nervoso central, linfonodos, trato genital e mucosa do trato gastrointestinal). A vacina ensina o linfócito CD-8 (parte do exército de defesa) a encontrar e a matar o HIV presente nesses locais.
O trabalho começou há um ano e há grande expectativa em relação aos resultados. “Somos os únicos no mundo a aplicar uma forma de ataque tão abrangente contra o HIV”, diz Ricardo Diaz. O médico espera ter a conclusão em meados do ano que vem.
Este gênero de experimento, como o brasileiro e inglês, é o mais adiantado na busca pela cura. As vacinas terapêuticas, que fortalecem o sistema imunológico contra o HIV, e as preventivas, que evitam a infecção, também são alvo de estudos no mundo todo. Porém, esbarram na incrível capacidade de mutação do vírus, o que dificulta a confecção de imunizantes de eficácia garantida.
Na mira da ciência também estão os indivíduos que, mesmo infectados, não desenvolvem a doença. São conhecidos como controladores de elite. “Queremos saber por que o vírus não consegue fragilizar o sistema de defesa dessas pessoas”, afirma o infectologista Valdez Madruga, coordenador do Comitê Científico de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia. Entre as respostas, está a habilidade de produzir anticorpos mais potentes. Com base no que já se descobriu, cientistas da Universidade Rockeffeller, nos Estados Unidos, criaram um anticorpo que reduziu em até 250 vezes a concentração de vírus em pacientes.
Há ainda o caso de pessoas que, por característica genética, não produzem uma molécula (CCR5) que possibilita a entrada do HIV na célula. Sem ela, o vírus não tem como invadi-la. Muito se tem trabalhado neste tópico. O americano Timothy Ray Brown é a única pessoa considerada curada no mundo porque se valeu da ausência de CCR5. Ele foi submetido a um transplante de medula óssea cujo doador possuía a alteração genética que não permite a produção da molécula. Ele está há nove anos sem o vírus.
Fotos: Pedro Dias/AG. IstoÉ;