Fiocruz lançou guia com recomendações para reduzir os efeitos da pandemia e impactos sociais sobre populações historicamente marginalizadas.
Uma dívida histórica, uma estrutura social, um modelo econômico que até hoje refletem na realidade dos povos indígenas, dos negros, das mulheres e da população mais vulnerável. As realidades tecidas pelas dinâmicas das desigualdades sociais ficaram ainda mais evidentes no contexto de uma pandemia que impactou o mundo.
Foi com o objetivo de chamar a atenção dos gestores federais, estaduais e municipais sobre os efeitos da Covid-19 em populações historicamente marginalizadas que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com apoio da Embaixada do Reino Unido, lançou um guia com recomendações para incentivar as autoridades públicas a implantar políticas de enfrentamento à covid-19 e assim mitigar os impactos sociais da pandemia
O guia, elaborado por pesquisadores do Observatório Covid-19 da Fiocruz foi dividido em três grupos:
- O primeiro aponta o contexto de ameaças e violações de direitos, bem como a fragilização da política de saúde, vivenciada pelos indígenas no Brasil, que agora enfrentam uma batalha não somente contra aqueles que querem tomar os seus territórios mas também contra o vírus. Neste cenário, o guia coloca a necessidade da priorização na campanha de vacinação contra a Covid-19 e a construção de estratégicas específicas e diferenciadas para os povos indígenas no enfrentamento da pandemia;
- O segundo aborda os impactos da pandemia para os diferentes gêneros, que devido às históricas desigualdades acabam não sendo homogêneos, citando por exemplo a situação de violência contra as mulheres, que registrou um aumento no ano de 2020 em 20% dos casos de feminicídio. Além disso, também considera as intersecções de gênero com marcadores de raça e etnia a fim de garantir maior alcance e a efetividade das políticas públicas;
- O terceiro mostra o contexto social da pandemia para os 17,5 milhões de brasileiros que habitam em favelas, e portanto já sofrem com as condições precárias da moradia, com oferta insuficiente de abastecimento de água e saneamento básico, dentre outros problemas relacionados à saúde. E que com a pandemia se agravou ainda mais, com o aumento da taxa de letalidade, chegando a quase 20%.

O material tem base em evidências científicas e reúne análises detalhadas dos dados da pandemia, que teve um peso diferente para esses grupos mais vulneráveis, tanto pelo contexto social como histórico. A falta de acesso a direitos básicos e oportunidades para essa parcela da população, aumenta portanto a urgência de políticas públicas que ajudem a diminuir as diferenças.
Povos indígenas
O Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena ressalta que até janeiro de 2021 a Covid-19 causou o óbito de quase 900 indígenas e contabilizou mais de 400 mil casos da doença. Este número pode ser ainda maior por conta da subnotificação.
Os pesquisadores elencaram nove fatores que vulnerabilizam os povos indígenas, são eles: violação dos direitos territoriais; elevada prevalência de outras doenças; limitação para implementar medidas de prevenção; desafios na infraestrutura e logística para o diagnóstico da doença pelo sistema público de saúde; dificuldades de transporte e acesso à saúde; insegurança alimentar, falta de saneamento básico; invisibilidade das populações indígenas urbanas e o racismo estrutural.
Dentre as ações apontadas como necessários pela Fundação a fim de diminuir os impactos da pandemia para os povos indígenas destacam-se: conter as invasões e proteger os povos isolados e de recente contato; garantir o fornecimento de alimentos e insumos para produção; melhorar a qualidade da vigilância da pandemia e a testagem e estruturar as Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPIs).
Desigualdade de gênero
O guia apresenta as repercussões da pandemia de covid-19 sobre a iniquidade de gênero, evidenciando o impacto sobre as mulheres nas dimensões do trabalho, da violência e da pobreza. Dados divulgados pela Fiocruz, revelam por exemplo que mais de 84% das equipes de enfermagem no Brasil são formadas por mulheres, e que apenas 54% das profissionais de saúde negras receberam suporte de supervisores. Entre os profissionais de saúde que morreram em 2020 por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), as mulheres representam mais de 55%.
O trabalho e a renda tem sido esferas críticas que servem para evidenciar as disparidades de gênero durante a pandemia. Cerca de 62% das mulheres afirmam atuar diretamente em alguma ação de combate à Covid-19.
Setores altamente ocupados por mulheres foram os mais afetados economicamente durante a pandemia, sendo elas a maioria entre os desempregados, particularmente as mulheres negras (Rede de Pesquisa Solidária, 2020). A pobreza também atinge 57% das famílias chefiadas pelas mulheres.
Diante dessa realidade o guia traz recomendações para combater o preconceito, diminuir a diferença salarial entre homens e mulheres, especialmente para as mulheres negras, e a valorização do trabalho desenvolvido por elas, buscando aumentar o número de mulheres em posições de liderança.
Realidade nas favelas
São mais de 13 mil comunidades do Brasil, que sofrem de forma mais grave os efeitos devastadores da Covid-19, que chega a ser até duas vezes mais letal nestes cenários urbanos conhecidos como favelas. Nesses espaços, são populações inteiras vivendo em habitações precárias, com oferta insuficiente de serviços públicos como o abastecimento de água, saneamento básico, coleta de lixo e outros problemas que afetam as condições relacionadas à saúde.
Isso agrava ainda mais o cenário, já que a maior parte dos moradores das favelas não podem trabalhar de casa e muitos acabaram perdendo as fontes de renda durante a pandemia. Tudo isso impede que essas pessoas se beneficiem das medidas de distanciamento social em proteção contra a doença, aumentando o risco de contágio e contribuindo para o aumento da taxa de letalidade, que chega a quase 20%.

Não se sabe ao certo o número de óbitos por Covid-19 nas favelas já que os dados oficiais da doença estão organizados e disponibilizados por CEP, portanto muito desses locais acabam ficando de fora das estatísticas. Outro fator é a baixa realização de testes laboratoriais nesses locais.
Entre os desafios históricos e centenários relacionados às favelas, destacam-se as moradias com baixa ventilação, iluminação e espaço, a alta densidade domiciliar e a deficiência no acesso aos serviços públicos, o que agrava ainda mais a situação da população diante da pandemia.
Para fortalecer as políticas de enfrentamento à Covid-19 o guia sugere algumas recomendações, são elas: realizar a testagem em massa; assegurar o auxílio econômico continuado e o acesso a ele nas favelas; aprimorar os dados georreferenciados produzidos sobre as favelas, garantir os serviços de saneamento básico e limpeza urbana e proteção social; levar em consideração a histórica vulnerabilização dessa população e priorizá-la no Plano Nacional de Vacinação
Além disso, o guia reconhece a importância de apoiar os moradores no protagonismo de iniciativas que surgem nas favelas para as favelas. De acordo com a Fundação, o desafio vai além de pensar respostas para os impactos da Covid-19, já que as favelas são espaços construídos pelas desigualdades e que abrangem uma série de interseccionalidades.
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