Muitas vezes confundido com a definição de normal ou natural, o parto humanizado é um conceito – um conjunto de procedimentos para garantir dignidade a gestante e bebê no momento do nascimento. Se bem conduzido, ambos ganham: a mulher em recuperação, o bebê em desenvolvimento.

A professora Lílian Barreto, 30, não se esquece de detalhe algum do dia em que deu à luz Ana Teresa, atualmente com um mês de vida, sob a realização do sonho de conhecer, na prática, o que é um parto humanizado. As primeiras mãos que tocaram a primogênita foram as do pai, o advogado Bruno Murilo, 30, o que só foi possível pelo respeito às escolhas da mulher.

“No momento em que ela nasceu, foi o meu marido que a recebeu. Foi tão mágico! Ele pegou, colocou ela no meu colo, e aquele foi o momento mais feliz e mais completo da minha vida. Sempre foi uma vontade muito grande minha de ter parto normal, não precisar fazer cirurgia pra ter minha filha nos braços”, emociona-se Lílian, cujo planejamento para concretizar a ideia aconteceu desde a escolha da equipe médica.

Foram 12 horas de trabalho de parto que driblaram a dor e qualquer insegurança. “Existia o medo, porque foi minha primeira filha. Mas quando me dei conta de que estava cercada de amor, muito feliz e segura, sendo respeitada em todas as minhas decisões, me senti no comando”, relembra.

Humanização

Pai foi o primeiro a receber a crianças nos braços em parto humanizado — Foto: Arquivo pessoal

Pai foi o primeiro a receber a crianças nos braços em parto humanizado — Foto: Arquivo pessoal

Para a doula Liliane Furtado, a popularização complicou a definição de um termo que, na realidade, é simples: “é um conjunto de boas práticas que modificam o atendimento e o deixam apropriado, garantindo autonomia, acesso a uma medicina atualizada e baseada em evidências e, além de tudo, respeito à mulher durante o parto”. Segundo a profissional, “isso faz diferença na recuperação física da mulher e até no desenvolvimento do bebê”.

A necessidade de “desmistificar que parto humanizado é aquele 100% natural e dentro de uma banheira” é outro ponto ressaltado pela doula. “Se no decorrer do parto a paciente está precisando de uma indução, por exemplo, se faz isso em vez de partir pra uma cesariana. É um exemplo de prática humanizada”, pontua.

A obstetra Trícia Jereissati reforça que “humanização é respeito e autonomia desde a família na gravidez até quem está no centro obstétrico”, e que é preciso “resgatar o parto normal”. “Somos um país campeão de cesárea, porque foi imposta uma cultura de naturalização dela. É preciso conversar com a mãe, esclarecer que dor não é sofrimento – é nascimento. E que ela deve parir da forma que achar melhor, seja em pé, de cócoras, na banheira ou no chuveiro”, declara a médica.

No Ceará, em 2019, o número de cesáreas já supera o de partos normais: até abril, foram 17.048 nascimentos com intervenção cirúrgica, contra 15.668 vaginais. Os dados são do Ministério da Saúde, encaminhados ao G1 pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

Planos

Priscilla Fontes, 32 anos, descarta ter filho por 'parto normal' — Foto: Arquivo pessoal

Priscilla Fontes, 32 anos, descarta ter filho por ‘parto normal’ — Foto: Arquivo pessoal

O medo da dor era justamente o que fazia a estudante Priscilla Fontes, 32, “nem cogitar ter filho por parto normal”, ideia que mudou quando engravidou e passou a ser acompanhada por doula e profissionais incentivadores da humanização. “Tenho uma relação de evitar a dor, meu limiar é muito baixo. Mas quando engravidei, comecei a me informar, saber como funciona o nosso corpo, os hormônios, os benefícios pra mãe, pro bebê, pra amamentação. Tô bem mais tranquila”, afirma Priscilla, grávida de Caetano, já com 35 semanas.

Ao contrário dela e de Lílian, mães de primeira viagem, a confeiteira Ivi Nogueira, 33, já tem um filho de 7 e uma menina de 3 anos – mas agora, às 27 semanas de gravidez, aguarda a chegada da nova integrante da família, primeira que virá por parto normal.

“O primeiro foi cesárea marcada. A segunda eu tentei, mas não tive apoio nenhum, nem de médico nem de ninguém, então não consegui. Agora, no terceiro parto, resolvi investir em médico, doula e todo o apoio possível”, revela.

Para Ivi, a diferença no planejamento é notável. “Dessa vez, vou ter um plano de parto, não tive isso nas outras. Antes eu nem pensava em como seria, agora estamos estudando, vendo como funciona trabalho de parto, respiração, fazendo exercício para facilitar a posição do bebê.”

Assistência

Em Fortaleza, nove maternidades integram a Rede Cegonha – cinco municipais, três estaduais e uma federal –, baseadas no conceito de parto humanizado. São eles os Hospitais Distritais Gonzaga Mota (Gonzaguinhas dos bairros Messejana, Barra do Ceará e José Walter); o Nossa Senhora da Conceição, no bairro Conjunto Ceará; o da Mulher, no Jóquei Clube; o Geral de Fortaleza (HGF), no Papicu; o César Cals e o Martiniano de Alencar, ambos no Centro; e a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), no Rodolfo Teófilo.

A assessora técnica da Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Léa Dias, explica que uma série de indicadores é analisada mensalmente, em cada unidade, para verificar se os objetivos estão adequados ao que preconiza o Ministério da Saúde.

“Avaliamos o estímulo a posições verticalizadas que facilitem a saída do bebê, a deambulação, que é a gestante andar pela sala em trabalho de parto; o incentivo ao parto normal por parte de enfermeiro obstetra, entre outros. Quando não atingimos a meta, fazemos intervenções.”

Segundo Léa, entre os indicadores mais positivos estão a garantia do contato pele a pele imediato do bebê com a mãe e a presença de acompanhante no momento do parto: cerca de 85% das mulheres contam com marido, esposa, familiar ou amigo ao dar à luz. Por outro lado, outros desafios se impõem.

“Temos dificuldades com a estrutura física das maternidades: a maioria é antiga e ainda não foi reformada, adaptada para o parto humanizado. Muitas vezes, falta vaga nas maternidades, e a mulher tem de ser transferida pra unidade que não foi a que ela visitou antes do parto. Há ainda a resistência de alguns profissionais, que precisam mudar a forma de trabalho”, lista a assessora técnica.

Mudanças

A necessidade de mudanças foi sentida na pele pela jornalista Rebeca Silveira, 26: mesmo planejando, se informando e buscando médica e doula especiais para acompanhar a gravidez, o conceito de humanização passou longe da sala em que teve Cauã, hoje com um ano.

“Foi sutil, mas o médico plantonista começou a me desencorajar, dizer que era menino e que homem só faz a mulher sofrer. Ele disse que minha dilatação regrediu e fiquei sem saber o que fazer. A dor já tava dilacerante, resolvi ir pra cesárea”, relembra, ainda “com mágoa”.

No momento do parto, Rebeca só soube que o filho havia nascido porque foi avisada pelo namorado pela doula. “Não mostraram meu filho, não conversaram comigo. Eles estavam falando de férias e família, eu tava lá e pra eles não fazia diferença. Não teve respeito, por mais que a gente tivesse toda a informação do mundo e uma pessoa pra acompanhar.”

Fonte: G1 CE

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