Protestos tomaram as ruas do Peru depois de queda de Pedro Castillo ( Foto: ALESSANDRO CINQUE/REUTERS)

Líderes progressistas da região estão divididos entre apoiar Castillo ou reconhecer a sua queda como atuação normal do Estado de direito

Enquanto vigora no Peru o estado de emergência e o presidente deposto Pedro Castillo continua em prisão preventiva, o novo governo de Dina Boluarte demonstrou incômodo com o que considera “interferência em assuntos internos” por parte de México, Colômbia, Argentina e Bolívia, e convocou seus embaixadores nesses países para consultas.

Num comunicado em conjunto, esses países expressaram preocupação com o “tratamento judicial” que está sendo dado a Castillo e pediram que “a vontade dos cidadãos expressa nas urnas” seja priorizada. Mas também houve um outro tom em declarações no âmbito da esquerda latino-americana.

O Ministério do Exterior do Chile expressou diplomaticamente o desejo de que a crise se resolva “por meio dos mecanismos democráticos e com respeito ao Estado de direito”. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que “é sempre de se lamentar que um presidente eleito democraticamente tenha esse destino”, mas disse entender que “tudo foi encaminhado no marco constitucional”.

Fogo-cruzado

A situação, de qualquer forma, não é cômoda para os governos democráticos da nova “maré rosa” na região. “A esquerda latino-americana está no meio do fogo-cruzado. Se defende Castillo, defende a violação da Constituição peruana, e se defende a Constituição, não pode defender o que Castillo fez quando fechou o Congresso”, afirma o sociólogo e cientista político Diego Raus.

O professor da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de Lanús acrescenta que, por isso, a defesa de Castillo alega que ele foi vítima de perseguição, engano e manipulação e que não teria fechado o Congresso. “Ele está dizendo que não disse o que disse, que simplesmente foi pressionado.”

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Para o cientista político equatoriano Simón Pachano, a ênfase dada pelos presidentes do México, Andrés Manuel López Obrador, e da Colômbia, Gustavo Petro, à perseguição sofrida por Castillo ao longo de seu governo é uma expressão de simpatias ideológicas.

“Essas simpatias os levam, em primeiro lugar, a ignorar que essa perseguição faz parte da política peruana nas últimas duas décadas. Em segundo lugar, os induzem a minimizar ou ignorar o elemento que desencadeou esse episódio, que foi o golpe dado por Castillo”, destaca.

Esquerda heterogênea

Não existe uma posição homogênea na esquerda latino-americana. “Isso de governos de esquerda é algo muito ambíguo na América Latina. No momento, são considerados de esquerdas aqueles governos que não são claramente neoliberais, como foi o governo anterior do Chile ou o de Macri na Argentina. Há uma heterogeneidade muito grande”, pontua Raus.

Pachano concorda que existe diferenças entre os protagonistas desta “nova onda de esquerda” na América Latina. “Atualmente, essas discrepâncias são mais claras, certamente, porque não há uma corrente ideológica unificadora [como foi o ‘socialismo do século 21’] e por não haver uma liderança forte”, acrescenta.

O especialista não acredita que a crise peruana tenha um impacto significativo na região, mas vê como um risco para toda a esquerda a posição de países que tentam justificar o golpe de Castillo. “É uma posição injusta com a democracia, e isso pode criar desconfiança entre as forças políticas democráticas”, argumenta Pachano.

Raus ressalta que o governo de Castillo nunca foi bem visto na região. “Surgiu legitimamente, de eleições democráticas, mas teve um caminho muito sinuoso”. Na sua avaliação, a crise peruana não deve impactar a estabilidade democrática além da fronteira do país. Mas, em vista do crescente descrédito de partidos e instituições, “mina mais uma vez a confiança em governos e na classe política”.

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