A esperada renovação da classe política brasileira, após o impacto gerado pelas delações da empreiteira Odebrecht, deve privilegiar candidatos “endinheirados” e que “atingem grandes massas”, como empresários e lideranças religiosas.
Isso porque, como o custo da campanha eleitoral continua sendo muito alto e as empresas estão proibidas de doar, tendem a ter melhor desempenho nas urnas aqueles com maior acesso a recursos financeiros e com imagem mais consolidada junto ao público.
Sendo assim, nomes como o do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), largam na frente.
A opinião é de cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil.
Na semana passada, o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a abertura de 76 inquéritos contra 98 personalidades do mundo político, incluindo o alto escalão do governo.
A decisão foi baseada nas delações premiadas de ex-executivos da empreiteira Odebrecht.
Os especialistas argumentam que, embora haja uma grande expectativa de mudança, frente ao que chamam de “derrocada da velha política”, o grau de renovação vai depender da combinação de outros fatores.
“A renovação só será possível se houver novos nomes em número suficiente e se os partidos vão perder o controle dessa oferta (de nomes). Até agora, esse controle é muito forte, uma vez que o custo das eleições no Brasil continua sendo alto”, explica Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria.
“Possivelmente, veremos um processo mais fragmentado por causa do desgaste da elite política tradicional, mas só se essa combinação de fatores acontecer. Caso contrário, veremos os mesmos nomes, talvez ocupando postos distintos”, ressalva.
Nas eleições de 2014, segundo levantamento feito nas despesas declaradas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), os candidatos gastaram um total de R$ 5,1 bilhões, a maior parte vinda de doações de empresas.
Já em 2015, o STF decretou o fim das doações de empresas a campanhas eleitorais.
Ainda assim, Cortez acredita que candidatos da chamada “velha política”, inclusive aqueles investigados pela Lava Jato, devem tentar a reeleição.
Devido aos trâmites do processo, é pouco provável que eles sejam julgados e condenados até as eleições do ano que vem – se isso acontecer, eles se tornam “ficha suja” e são impedidos de concorrer.
“Não acredito que eles vão deixar de concorrer e desaparecer da cena política. Devemos esperar uma readequação dos objetivos desses candidatos. Eles devem concorrer a cargos menores”, opina Cortez.
Os especialistas destacam ainda que a renovação pode ser prejudicada se o modelo de lista fechada, debatido na proposta de reforma política, for aprovado pelo Congresso.
Por esse sistema, o voto é destinado ao partido, que, por sua vez, determina qual parlamentar vai ocupar a cadeira no Parlamento.
“É um casuísmo sem tamanho. Sem dúvida, o objetivo é blindar esses políticos investigados da ira da população e garantir a permanência deles”, opina o sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ. “O modelo de lista fechada já funciona em outros países e apresenta vantagens, mas neste momento, se aprovado, engessa a composição do Congresso e privilegia aqueles que estão sendo acusados de corrupção.”
“A lista fechada protege os políticos tradicionais. Não se trata de uma discussão do que é melhor, mas do que eles podem fazer para livrar a própria pele”, acrescenta Maria Teresa Kerbauy, cientista política da Unesp em Araraquara.
‘Forasteiros, não aventureiros’
Neste sentido, caso a aguardada renovação não se concretize, acredita Cortez, pode haver um aumento considerável dos “votos brancos e nulos” nas eleições de 2018.
Mas, se ocorrer, ela deve priorizar candidatos “endinheirados e que atinjam grandes massas”.
“Os partidos vão recorrer às suas bases mais tradicionais. Vai se dar melhor quem tiver apoio de coletivos, agendas temáticas mais específicas e com maior exposição nas mídias”, prevê Cortez.
“Mas, sem dúvida, um dos elementos principais será o acesso a recursos financeiros”, acrescenta.
“Por isso, aqueles com muito dinheiro já saem com enorme vantagem. Devemos esperar forasteiros, ou seja, nomes estranhos à política tradicional, mas não aventureiros”, opina.
Na caça pelo voto do eleitor, candidatos com grande capacidade de “se conectar com grandes massas” também acabam favorecidos, lembram os especialistas.
Nesse grupo, estão desde lideranças sindicais a religiosas, passando por celebridades.
“Lideranças populistas, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), e que não estejam envolvidas nas investigações da Lava Jato, também devem ganhar ainda mais força”, diz Ricardo Ismael, cientista político da PUC-Rio.
Cortez pondera, contudo, que a eventual renovação do Congresso não necessariamente resulta “na maior eficácia do processo político”.
Ele cita o caso de Silvio Berlusconi, que se tornou primeiro-ministro da Itália em 1994.
Bilionário e dono de um conglomerado de mídia, Berlusconi tinha não só recursos financeiros para custear sua campanha como também amplo acesso aos meios de comunicação.
Tendo sido eleito pela primeira vez para a Câmara dos Deputados pouco antes de se tornar premiê, ele foi um dos maiores expoentes da onda de renovação política que varreu a Itália após a Operação ‘Mani Pulite’ (‘Mãos Limpas’), que teria servido de inspiração à Lava Jato ao desvendar a gigantesca rede de corrupção que dominava o país.
Mas, em 2013, Berlusconi acabou condenado a quatro anos de prisão por fraude fiscal, além de ter sido alvo de inúmeras denúncias de corrupção.
‘Diferenciados e vitimizados’
O atual contexto político também deve implicar em uma mudança dos discursos eleitorais para 2018.
Com uma parcela significativa da classe política atingida pelas investigações, a onipresente “bandeira de defesa da ética” deve “sumir das campanhas”, afirmam os especialistas.
Eles acrescentam ainda que os candidatos tendem a ser dividir entre os “diferenciados” e os “vitimizados”.
“Os políticos que não estão sendo investigados e não têm nenhuma relação com o esquema de corrupção vão tentar fazer todo o possível para se diferenciar dos demais”, diz Ismael, da PUC-Rio.
“Por outro lado, aqueles que estão sendo investigados vão tentar se reeleger com o discurso da vitimização. Eles já vêm tentando criar narrativas para desgastar a Lava Jato, apontando eventuais falhas durante as investigações, e esse discurso deve ganhar força até as eleições”, conclui.