Como o Senado preferiu não alterar o texto já aprovado pela Câmara, o projeto seguirá à sanção presidencial
O Senado aprovou nesta quarta-feira o projeto que atualiza o marco legal do saneamento básico, tema polêmico que ganhou força diante da crise provocada pela pandemia da Covid-19, que segue à sanção presidencial.
As novas regras criam instrumentos que facilitam privatizações e ampliam o papel da Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão organizador dos investimentos no setor, assim como em áreas como energia elétrica.
O texto também força estatais a disputarem mercados com companhias privadas ao tornar obrigatória a abertura de licitação para contratação de serviços pelos municípios.
Como o Senado preferiu não alterar o texto já aprovado pela Câmara, o projeto seguirá à sanção presidencial. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), confirmou compromisso do Executivo de veto a três pontos da proposta.
Visões diferentes
O tema divide opiniões. De um lado, alimenta o temor de desestruturação dos já parcos serviços atuais de água e esgoto do país. De outro, há quem defenda que as regras poderão destravar bilhões de reais em investimentos privados na expansão da infraestrutura.
Essa é a visão do relator, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que defendeu a aprovação do texto enviado pela Câmara, sem alterações. No fim de 2019, havia grande resistência de senadores ao texto, mas o cenário mudou e a proposta foi aprovada nesta quarta com larga maioria.
“Essa modernização é absolutamente necessária e urgente”, argumenta o relator em seu parecer, citando estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo a qual “15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas no Brasil todos os anos devido a doenças ligadas à precariedade do saneamento básico, situação agravada pela pandemia da Covid-19”.
Tasso expõe, no parecer, a necessidade estimada de 500 bilhões de reais a 700 bilhões de reais para a universalização dos serviços de saneamento no país até 2033, com impactos na economia e na geração de empregos.
“Enfatizo: O novo marco criará valor diretamente nas empresas estaduais e municipais, que já operam no setor. Isso por que a conversão de contratos de programa em contratos de concessão. Com contratos de concessão, as empresas estatais adquirirão maior capacidade de se alavancar, por conta da segurança de seu fluxo de caixa de longo prazo.”
Pouco antes da votação, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, defendia a aprovação do texto e o ágil envio à sanção presidencial.
“O que não couber ou convier, presidente veta, parcialmente, por acordo. Só não dá mais pra esperar”, publicou a senadora no Twitter.
Emendas que chegaram a ser apresentadas foram retiradas pelos autores sem passarem por votação.
Regionalização
Segundo o projeto, a titularidade dos serviços poderá ser exercida pelos Estados em conjunto com os municípios, dentro das unidades regionais em que os territórios estaduais serão divididos, em prestação dos serviços caracterizados como função pública de interesse comum, com previsão de compartilhamento de infraestruturas que atendam a mais de um município.
“A prestação regionalizada, por incluir municípios mais e menos atraentes e não necessariamente contíguos em um mesmo território de prestação, afasta o risco de que qualquer deles, por mais pobre e pequeno que seja, fique fora do processo de universalização”, argumentou Tasso, no parecer.
O texto estabelece a data de 31 de dezembro de 2033 como prazo para a universalização, que poderá ser acrescido de mais 7 anos, caso se comprove inviabilidade técnica ou financeira.
Expectativas
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem repetido que a persistência nas reformas será crucial para impulsionar a economia após a crise e que o novo marco para o saneamento se insere nesse contexto.
A Secretaria de Política Econômica colocou a aprovação do marco em lista de dez pontos que devem ser enfrentados no pós-pandemia.
Em documento interno visto pela Reuters sobre medidas para a retomada, a equipe econômica avaliou que o projeto traz segurança jurídica e estabilidade institucional para os investimentos, que podem chegar a 700 bilhões de reais para o setor até 2033. O estudo também calculou em 140 bilhões de reais o valor de mercado das empresas de saneamento e disse que sua privatização pelos governos estaduais poderia ser passo “decisivo para o balanceamento das contas públicas destes entes em um cenário pós-Covid”.
Na expectativa pela aprovação do marco, as ações da empresa paulista de água e esgoto Sabesp, maior do setor no país, acumulam alta de 98,6% desde fim de março. No período, a ação da companhia mineira Copasa subiu 79% e a da paranaense Sanepar avançou 64%.
A Câmara dos Deputados já havia aprovado o texto em dezembro passado e a chegada da pandemia de coronavírus ao país tornou a questão urgente, realçando o despreparo brasileiro com saúde da população e o esgotamento da capacidade do setor público em promover investimentos necessários.
Segundo o Atlas de Esgotos da Agência Nacional de Águas (ANA), 45% dos 208 milhões de brasileiros ainda não possuem tratamento de esgoto. O levantamento indica ainda que o país tem mais de 110 mil quilômetros de trechos de rios com a qualidade da água comprometida devido ao esgoto sem tratamento. Desse total, a poluição impede a captação de água em 83,5 mil quilômetros.
A aprovação do marco, no entanto, não deve gerar efeito imediato. O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, disse nesta semana que a aprovação representa o “início da tarefa” de melhoria dos índices de tratamento e perda de água. O banco de fomento modela desestatizações de uma série de empresas públicas de saneamento, incluindo a fluminense Cedae, e a alagoana Casal, que podem ocorrer ainda neste ano.
Maurício Zockun, sócio da área de direito administrativo do escritório Zockun & Fleury Advogados, lembra que “da aprovação do projeto até ocorrerem as licitações, estamos falando de um prazo 1 ano e meio a 2 anos”.