Em crise, Mendes Júnior abandona transposição do Rio São Francisco

Açude Castanhão: reservatório que abastece municípios da Região Metropolitana de Fortaleza opera com apenas 5,3% de sua capacidade - Fabio Lima/O POVO.
Açude Castanhão: reservatório que abastece municípios da Região Metropolitana de Fortaleza opera com apenas 5,3% de sua capacidade – Fabio Lima/O POVO.

SÃO PAULO — Uma das obras paradas por causa da Operação Lava-Jato pode contribuir para o colapso no abastecimento de água em Fortaleza, no ano que vem. Em julho, por falta de condições financeiras, a empreiteira Mendes Júnior abandonou os trabalhos no eixo norte da transposição do Rio São Francisco e adiou mais uma vez a conclusão do projeto, visto como solução para atenuar os efeitos da maior seca dos últimos cem anos no Nordeste.1424279_547937015299208_840218183_n-1

Hoje, o reservatório Castanhão, que abastece 3,5 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Fortaleza, opera com apenas 5,3% da sua capacidade. Se a seca dos últimos cinco anos se repetir na próxima temporada de chuvas, que começa em fevereiro, a cidade ficaria sem água em maio, segundo previsão do governo estadual. Para evitar o caos, a solução emergencial é o racionamento.

Quando pronta, a Transposição do São Francisco levará água até o município de Jati, na divisa do Ceará com Pernambuco. De lá, por canais que ainda estão sendo construídos pelo governo estadual, a água irá até o Castanhão. A previsão inicial era que a transposição ficasse pronta em 2014.

Na Lava-Jato, a Mendes Júnior é acusada de integrar o cartel de empresas que fraudava licitações e pagava propinas. Sérgio Cunha Mendes, ex-vice-presidente da empresa, foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Com a desistência da empreiteira de tocar a transposição, o Ministério da Integração Nacional decidiu realizar uma nova licitação. O processo tem previsão de ser concluído em janeiro. O caminho escolhido gerou um embate político entre o governador cearense Camilo Santana (PT) e o governo federal. O petista defendia uma contratação emergencial para agilizar a obra.

— Quem é cobrado aqui no Ceará sou eu e essa obra não é minha, é do governo federal. A transposição é a única forma de evitar um colapso se tivermos mais um ano de seca — diz.

ÁGUA PREVISTA PARA SETEMBRO

Com a decisão de fazer uma nova licitação, a água do Rio São Francisco chegará em Fortaleza em setembro, se o cronograma for seguido à risca.

— Estamos numa situação crítica. O racionamento já deveria ter começado. Quando há um risco de colapso, tem que tomar medidas amargas — avalia Nilson Campos, professor do departamento de Engenharia Hidráulica da Universidade Federal do Ceará.

Campos destaca ainda que a crise hídrica atual do estado é a mais grave desde 1993, com o agravante de que hoje a população de Fortaleza é maior. Para ele, com racionamento imediato, seria possível evitar o colapso desde que a transposição seja entregue no prazo estabelecido pelo Ministério da Integração Nacional.

— Temos que torcer para a água do São Francisco chegar até setembro.

Por enquanto, o governo estadual adotou medidas para tentar reduzir o consumo, como a aplicação de multas aos consumidores que não cumprirem a meta de diminuir em 20% o gasto. Também definiu o corte no fornecimento de 75% da água destinada para a irrigação de áreas agrícolas.

CASO SECA SE AGRAVE, GOVERNO JÁ ADMITE CONTRATO DE EMERGÊNCIA

O ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, afirma que o eixo norte da transposição do Rio São Francisco ficará pronta em setembro de 2017, mesmo com a decisão de fazer nova licitação para escolher a empresa que substituirá a Mendes Júnior no restante da obra, orçado em R$ 600 milhões

— Na primeira semana de fevereiro, assinamos a ordem de serviço para reinício das obras. Entrego as águas em Jati (reservatório na divisa do Ceará com Pernambuco) em agosto. E essa água chega a Fortaleza em setembro — disse o ministro, lembrando que as obras de apenas um dos três lotes do Eixo Norte estão paralisadas.

O governo admite contratar emergencialmente, sem licitação, caso as empresas contestem o resultado da concorrência em andamento na Justiça e, ao mesmo tempo, for constatado em janeiro que haverá um novo período de seca.

— Aí teremos um fato concreto para fazer a contratação emergencial — disse Barbalho.

O ministro chegou a consultar o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a contratação da empresa substituta da Mendes Júnior. Como o TCU se manifestou apenas em tese, Barbalho optou pela licitação em Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que prevê prazos mais rápidos.

— É claro que, neste momento, fazer uma dispensa de licitação de R$ 600 milhões não é uma decisão simples — explicou, referindo-se às investigações da Lava-Jato.

Para que o governo do Ceará se prepare para eventual atraso na transposição, o ministro liberou R$ 44 milhões para serem usados em ações preventivas.

Com O Globo..

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