O ‘ex-fiel inabalável” de Bolsonaro Arthur Lira se arregimenta nos bastidores para ser o articulador de uma bancada que dê sustentação ao petista
O novo governo que se instalará no próximo dia 1º de Janeiro, lederado pelo petista Lula, precisará de pelo menos 342 deputados na Câmara Fedral, para governar sem “sobressaltos”. No entanto, isso não será fácil, sem a “velha prática” do toma lá da cá.
E um primeiro passo foi dado semana passada, quano Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da casa e comambições de disputar a reeleição, fez um acordo com PT e, já ouviu a promessa de apoio do partido às suas pretensões de permanência no posto. Em troca, se comprometeu a se empenhar para que tudo corra bem com a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o governo pretende aprovar para ter como pagar o auxílio de R$ 600 no ano que vem.
Existe uma questão importante a se observar nesse fato. A reeleição de Lira será decidida pelos 513 deputados que tomarão posse no dia 1º de fevereiro do ano que vem. Entre eles, e sem considerar o partido a que pertencem nem a força de cada bancada na Casa, 284 já são deputados na atual legislatura. Foram reeleitos e retornarão a seus postos. Os demais 229 estarão chegando, a maioria pela primeira vez, para ocupar o lugar de outros 229 que são deputados hoje e deixarão de ser no dia 31 de janeiro. Para cumprir a parte que lhe cabe no acordo e ajudar Lula a conseguir os 342 votos de que precisa para apoiar a PEC, Lira terá que buscar apoio entre políticos que em menos de dois meses serão ex-deputados.
A disposição de Lira em fechar o acordo, por mais leal a Bolsonaro que ele tenha se mostrado desde que substituiu Rodrigo Maia na presidência da Câmara, há dois anos, não surpreende a ninguém. A princípio, nada de errado com isso. Mudanças de lado para apoiar um governo que está chegando são mais previsíveis em Brasília do que a seca que costuma castigar o Planalto Central entre os meses de maio e setembro. No caso de um político do PP, como é o caso de Lira, isso é menos surpreendente ainda. Ser governista está no DNA dessa legenda desde que ela surgiu com o nome de PDS no bojo da Reforma Partidária de 1979. Desde aquela época, o partido faz tudo o que estiver a seu alcance para estar próximo ao governo —qualquer governo — e desfrutar das vantagens que essa condição proporciona.
O partido e suas lideranças estiveram na base de apoio de todos os presidentes que passaram pelo Palácio do Planalto desde o general João Figueiredo. Com um detalhe: o PP sempre demonstrou uma fidelidade exemplar quando o governo está no auge de sua força, mas nunca hesitou em pular para o outro lado quando os ventos mudam e o presidente começa a perder prestígio. Ele agiu assim com Figueiredo, com José Sarney, com Fernando Collor, com Itamar Franco, com Fernando Henrique Cardoso, com Lula, com Dilma Rousseff e com Michel Temer. Por que faria diferente com Jair Bolsonaro?
DOIS COELHOS COM UMA CANETADA
A questão é que, desta vez, Lira encontrou pela frente um presidente que, mesmo tendo sido derrotado nas últimas eleições, parece disposto a governar até o último dia. E que, além disso, às vezes parece agir movido mais pela emoção do que pela razão. Na quarta-feira passada, um dia depois do PT ter anunciado o apoio a Lira, o presidente usou sua caneta para dificultar a vida do presidente da Câmara. E fez isso com requintes de crueldade ao atingir o grupo de parlamentares que pratica a política do “toma lá dá ca” em seu ponto mais sensível: mandou cancelar a execução das emendas do “Orçamento Secreto” que ainda estão para ser pagas. A decisão do presidente é a de que, enquanto ele tiver mandato, não sairá dos cofres públicos um único centavo para o pagamento das emendas de interesse dos aliados de Lira — que foi o padrinho e fiador do “Orçamento Secreto”.
Com esse gesto — que, por sinal, também não surpreende a ninguém —, Bolsonaro acertou dois coelhos com uma canetada só. Para começar, deixou Lira desgastado junto aos deputados e aos partidos com quem tinha compromisso na atual, e não na próxima legislatura. Além disso, empurrou para o próximo presidente o ônus de honrar os compromissos do “Orçamento Secreto”, que Lula tanto criticou ao longo da campanha. O presidente da Câmara, é claro, acusou o golpe. Ele sabe que, sem a execução da emenda, seu poder sobre a bancada se reduz.
Queixando-se do que considerou uma traição, ele tentou sem sucesso conversar com Bolsonaro — que não atendeu nem retornou seus telefonemas. Também não foi bem sucedido na tentativa de falar com Valdemar Costa Neto, presidente do PL, o partido que cedeu a Bolsonaro a legenda para disputar a presidência. E que, em troca, formou a maior bancada na Câmara na próxima legislatura. Como última saída, Lira ameaçou romper definitivamente com Bolsonaro num momento em que ele precisa mais do presidente do que o presidente precisa dele.
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