A companhia aérea lutou quase que desesperadamente entre a década de 90 e o começo dos anos 2000 para sobreviver
Há exatos 17 anos, a Viação Aérea São Paulo realizava seu último voo e se juntando assim a TransBrasil como as empresas mais antigas do país que deixaram de voar. A companhia aérea lutou quase que desesperadamente entre a década de 90 e o começo dos anos 2000 para sobreviver, acompanhe este artigo a história da VASP.
O inicio do sonho
Antes mesmo de ser fundada, a companhia já possuía duas aeronaves Monospar ST-4 que são de fabricação inglesa. Então oficialmente no dia 4 de novembro de 1933, nascia a mais nova empresa aérea do Brasil, a VASP. Uma curiosidade é que a empresa foi fundada por 72 empresários sendo um deles o sobrinho do pai da aviação, Santos Dumont.
Com suas aeronaves a capacidade de apenas três passageiros, a companhia iniciou seus voos regulares partindo de São Paulo para São Carlos e São José do Rio Preto e São Paulo para Ribeirão Preto e Uberaba em Minas Gerais feitos pelo menos três vezes por semana em cada rota. A empresa utilizava o Aeroporto de Campo de Marte como sua base operacional.
Já em 1934, a companhia precisava expandir sua capacidade pois não conseguia manter a margem de lucro com aviões com pouca capacidade. A empresa paulista recebia então o primeiro De Havilland DH-84 Dragon com capacidade para até oito passageiros e permitindo voar um pouco mais longe do que os Monospar.
Com a capacidade de voar mais longe, a empresa conseguiu inaugurar novas rotas para Goiânia e outras cidades dentro do estado de São Paulo.
Mudança de ares
Ainda durante o ano de 1934, a VASP não conseguia obter lucros e operava ainda no prejuízo então precisou pedir ajuda ao Governo de São Paulo. No começo do ano seguinte, a companhia vendia uma fatia de pouco mais de 90% para o governo, e sendo assim passou a ser uma empresa estatal.
Um dos principais motivos para tamanho prejuízo da aérea foi o alagamento de sua principal base que era no Campo de Marte. Com o Aeroporto totalmente incapaz de receber voos, a VASP precisou ficar aproximadamente quatro meses sem poder realizar voos.
Devido a essa situação, a empresa pensou então em adquirir um terreno para concentrar suas operações sem que os fatores da natureza pudessem influenciar em suas operações e isso ocasionou também um grande prejuízo para a VASP.
Com mais dinheiro em caixa devido aos investimentos do governo, a companhia aérea então pode continuar seu plano de adequar um terreno para suas operações com uma pista de terra de 400 metros de comprimento, também foi construído junto o primeiro terminal de passageiros. Tudo ficou pronto para suas operações por volta de 1936.
O terreno então ficou conhecido como o ‘Campo da VASP’, e com mais investimentos aproveitou e ampliou sua frota com mais duas aeronaves Junkers JU-52, podendo transportar até 17 passageiros. Esta foi a aeronave que inaugurou o Aeroporto de Congonhas no centro do estado, local onde a VASP investiu e tornou sua principal base operacional.
Com os novos aviões a empresa então deu mais um grande passo e talvez um dos mais importantes da aviação comercial brasileira. Ainda em 1936, a VASP inaugurava a famosa rota entre São Paulo e Rio de Janeiro, que na época era a capital do Brasil. A rota viria a se tornar a mais importante e a mais lucrativa do mercado doméstico, mas somente anos depois viria a se chamar Ponte Aérea.
Com o lançamento da rota, a companhia aérea revolucionou o mercado permitindo que os passageiros pudessem viajar mais rápido entre os dois estados, que até então só era possível viajar de trem que levava pelo menos 15 horas para ser realizado ou dois dias de carro pelas estradas de terra.
Os planos de expansão da empresa agora se voltavam para rotas no sul do Brasil, com a chegada do terceiro Junkers JU-52 foi possível voar para Curitiba e Florianópolis já em meados de 1939. Pouco tempo depois a cidade de Porto Alegre também era atendida pela empresa.
A Segunda Guerra mundial causou grandes impactos na aviação mundial, na VASP os impactos foram quase que imediatos. A companhia não conseguia encontrar peças de reposição no mercado para a manutenção de suas aeronaves além disso teve a entrega de novos aviões adiada para depois de 1944.
Mas diante dessa situação, a empresa buscou uma solução e que viria a trazer mudanças bastante positivas para a aviação anos depois. A VASP passou a criar locais onde a própria empresa passaria a fabricar as peças para suas aeronaves que eram todas da Europa naquela ocasião.
Tal atitude fez com que a empresa se tornasse uma grande referência em manutenção e revisão de aeronaves até seus últimos dias de vida. Após o período de guerra, a VASP então conseguiu realizar a compra de alguns Douglas DC-3 de fabricação norte-americana, principalmente porque haviam milhares de aviões sobrando.
O avião foi tão importante devido a sua capacidade e autonomia de voo que o Douglas DC-3 substituiu todos os outros aviões da frota. A mudança de frota permitiu a VASP um incremento de suas rotas, passando a voar para o Norte e Nordeste do país além de reforçar todas as suas rotas com mais 20 aeronaves do tipo.
Anos 50 e 60, a consolidação
Nos anos 50, a empresa já bem estabelecida no mercado trazia para o Brasil uma novidade sueca, os Scandia A-90 ou simplesmente Saab 90 com capacidade para 36 passageiros. Um curiosidade, a VASP operou todos os Saab 90 produzidos, isso mesmo você não leu errado.
A companhia aérea gostou tanto do avião que resolveu comprar as unidades deixadas por outras empresas. Com o custo operacional bem menor do que o concorrente Convair 240, o avião poderia operar no Aeroporto Santos Dumont sem qualquer restrição e isso permitiu a VASP a fazer 15 voos diários na rota entre São Paulo e Rio.
Com a introdução dos Saab 90 no qual a empresa operou 19 aeronaves, a VASP passou a voar também para outras cidades no Centro-Oeste como Cuiabá, Campo Grande além de Belo Horizonte no Sudeste, Salvador, Recife e Natal no Nordeste do país.
A companhia também ajudou na construção da nova capital do Brasil que viria a se chamar Brasília no governo de Juscelino Kubistchek. Como ainda não havia um Aeroporto construído, os aviões chegavam com materiais de construção em uma pista de terra próximo ao centro da nova cidade, local era chamado de Vera Cruz.
Ainda inovando, a VASP incorporou a sua frota os novíssimos e modernos Vickers Viscount que poderiam transportar até 56 passageiros à 600 km/h. Com as novas cabines pressurizadas, a companhia paulista pode realizar voos do Rio de Janeiro até Manaus em apenas um dia, essa era uma enorme vantagem da inovação dos primeiros turboélices do Brasil.
Em 1960 a empresa continuava sua expansão e consolidação no país trazendo para sua frota um novo modelo de avião, este era o YS-11 de fabricação japonesa. A aeronave foi introduzida em praticamente todas as rotas e foi apelidado de ‘Samurai’.
Com um conceito inédito de cooperação entre empresas aéreas, a VASP fez uma parceria com a Varig e a Cruzeiro para que juntas pudessem criar uma das rotas mais movimentadas do mundo e a mais importante do país, a Ponte Aérea Rio-São Paulo, tendo sido inaugurada em 1959.
Com a nova capital já inaugurada, a empresa também uma ‘segunda ponte aérea’, partindo do Rio de Janeiro com destino a Brasília mas com uma escala em Belo Horizonte.
Em 1962 a empresa fez um grande investimento na compra do Grupo Lloyd Aéreo e incorporou nova aeronaves C-46 e Douglas DC-4 e DC-6.
Com problemas enfrentados na ditadura militar naquela época e com forte influência da Varig no órgão que regulava a aviação, o Departamento de Aviação Civil (DAC), somente em 1965 a empresa buscava seu primeiro avião a jato. A empresa então comprou seus primeiros Boeings 727-200, no qual não recebeu de imediato.
Pouco tempo depois, houve um estudo e a companhia decidiu trocar para a versão -100 que também não foram entregues à VASP e sim para a Varig. Durante esse tempo em meio a esse imbróglio, a empresa incorporava seus dois primeiros jatos de fabricação inglesa, os BAC 1-11 (One Eleven) em 1967. Porém essas aeronaves foram retiradas anos depois em 1973.
Em 1969 então a VASP traria uma grande novidade para o Brasil, o Boeing 737-200, sendo o primeiro da família 737 no país. Lembram da importância da linha de manutenção e revisão que a empresa criou no início de sua história? A VASP teve autonomia em sugerir à Boeing algumas mudanças no projeto do 737 para melhorar a sua eficiência operacional.
As sugestões foram atendidas pela fabricante norte-americana que até então não tinha conhecimentos das operações do avião em um país com temperaturas mais altas como o Brasil.
Surgia então o Boeing 737-200 Advanced, então fez com que a VASP comprasse mais aviões do tipo e fizesse muito sucesso entre os passageiros. A simpática companhia aérea tentava melhorar ainda mais sua relação com os passageiros apesar do congelamento de tarifas, a VASP criou facilidades para todos os passageiros e possibilitou a muitas pessoas a sua primeira viagem de avião.
Além disso, uma outra forma de se aproximar do público foi lançando campanhas publicitarias na televisão com seus famosos e queridos jingles. A VASP também apostou suas fichas em aviões nacionais, a empresa incorporou nove aviões Embraer E110 Bandeirante.
Essas aeronaves não operaram muito tempo pela empresa paulista que os repassou para a TAM, a pequena empresa que surgia no qual era sócia. Parecia que tudo voava bem para a empresa paulista mas a empresa chegou ao final dos anos 70 com problemas financeiros.
Anos 70 e 80 com ‘voos turbulentos’
Não foram por causa dos investimentos que não deram retorno e sim por seus funcionários e administradores que abusavam das contas da empresa que ainda era controlada pelo Governo do Estado de São Paulo.
Em 1977, foram adquiridos alguns Boeings 727 sem uma razão muito clara especialmente após a crise do petróleo no começo da década. Os 727s já eram aviões um pouco mais caros de operar em relação aos novos 737s. Os trijatos então foram colocados em operação nas rotas que tinham maior demanda.
Agora estando bem no mercado doméstico, o foco se voltou ao futuro, onde a empresa visava ter voos internacionais e procurava um avião de grande porte para essa missão.
Ao final de 1982, a VASP traria seus primeiros aviões da Airbus, os A300-B2, o primeiro widebody da companhia. O avião foi sucesso de imediato entre os passageiros da empresa paulista que ainda traria o terceiro em 1983.
Ao final dos anos 80 com o fim da ditadura militar, o DAC deixou de ser tão rigoroso com as empresas aéreas do Brasil, mas ainda com problemas financeiros sem conseguir manter um período significativo de lucro, a VASP precisou vender pelo menos seis aeronaves entre elas os B727.
Anos 90, a esperança se renovava.. Mas nem tanto
Em 1988, a VASP era preparada pela sua administradora até então o Governo de São Paulo para ser privatizada, tendo sido até firmado um compromisso. A companhia teve sua identidade visual atualizada e ganhou um emblema.
Ainda na administração estatal, a companhia foi a primeira empresa a contar com o novo jato Boeing 737-300, que era maior e mais moderno.
Já no final de 1990, a companhia foi comprada pelo consórcio liderado pelo empresário Wagner Canhedo. A VASP então passou por uma grande reestruturação e ganhou força trazendo novos aviões de grande porte.
Na época o governo brasileiro mudou algumas regras sobre a autorização de rotas internacionais e a VASP conseguiu enfim suas primeiras linhas internacionais. Chegaram novos Douglas DC-8 e DC-10-30 além da encomenda dos novíssimos McDonnell Douglas MD-11. A empresa paulista ainda incorporou o Boeing 737-400.
Apesar da autorização, a VASP não conseguiu operar em rotas onde a demanda era bem maior e para cidades mais procuradas. Em 1992, junto a chegada dos primeiros MD-11, a empresa iniciou voos para Seul na Coréia do Sul, Bruxelas na Bélgica e Los Angeles nos EUA.
Em 1993 a companhia teve diversos problemas com pagamento de leasing das aeronaves e precisou devolver uma boa parte delas incluindo o alguns 737-300, todos os 737-400 foram devolvidos, além dos DC-8 e DC-10.
Pouco tempo depois no ano seguinte, novos destinos como Miami e Nova York passaram a ser servidos pela VASP que também recebeu dois novos MD-11. Além das rotas internacionais como Toronto, Barcelona e Zurique em 1995, a empresa passou a investir e criar um grupo de companhias aéreas na América Latina.
A partir deste ano a TAN da Argentina, LAB da Bolívia e Ecuatoriana do Equador passaram a integrar a VASP Air System e tiveram suas identidades visuais mudadas para o mesmo padrão utilizado pela companhia brasileira. Em 1996 mais voos internacionais, dessa vez para Osaka, Frankfurt, Atenas e Casablanca e a criação do braço cargueiro da empresa que era a VaspEx.
Essas cidades eram deixadas de lado por outras empresas, e a VASP então investiu e tentou abaixar o preço das passagens para tentar manter o lucro nessas rotas.
Do sonho e esperança à desilusão e tristeza
A empresa que havia perdido 30 de suas 64 aeronaves, viu a TAM crescer e ultrapassar no mercado doméstico de aviação. Pouco antes da chegada dos anos 2000, mais um grande problema. A companhia não pagou o leasing de suas aeronaves MD-11 e teve de devolver todas para o lessor, o que forçou o cancelamento de quase todas suas rotas internacionais.
Com apenas Buenos Aires na malha internacional, restaram apenas o Airbus A300, o Boeing 727, 737-200 e 300 para operar seus voos. Com a frota própria, a empresa tentou ganhar mercado baixando os preços de suas passagens em 2001, e na mesma época desfez o VASP Air System.
Nada tão ruim que não possa piorar né? Bem, 2001 também via a chegada da GOL Linhas Aéreas que tinha uma proposta de administração mais econômico e bem eficaz. Com uma frota cada vez mais antiga e concorrendo com a novata de aviões novinhos, a empresa não teve mais o que fazer para sobreviver.
Em menos de dois anos perdeu novamente a posição de mercado para a GOL, e viu seu número de passageiros cair ainda mais. Com diversos voos cancelados, a reputação da simpática empresa atravessava seu pior período.
Em 2004 por problemas de manutenção, o DAC impediu que as aeronaves 737-200 realizassem voos até que todas as revisões e manutenções fossem realizadas. Mesmo com falta de investimentos, a equipe de manutenção da empresa fez o que podia para manter as aeronaves seguras para voarem, neste mesmo ano as rotas pra Argentina foram canceladas.
Algumas aeronaves foram desmontadas para que pudessem servir peças para outras, entre elas dois dos três Airbus A300.
A situação ficaria ainda pior pois a empresa não tinha mais dinheiro para pagar seus fornecedores, e logo então em 27 de janeiro de 2005 a empresa realizou seu último voo operado pelo Boeing 737-300. A empresa tentou até vender passagens de última hora com preços muito atrativos mas nem assim conseguiu algum dinheiro.
Ainda com seis aviões na frota, a empresa poderia fazer voos fretados para alguns destinos mas nenhum operador de turismo e nem mesmo passageiros deram um voto de confiança na VASP.1 de 3
Mesmo com diversos problemas e a empresa em recuperação judicial, a linha de manutenção continuou em operação fazendo alguns poucos serviços para outras empresas por mais três anos.
Em 2008, a Infraero tomou posse das antigas instalações da empresa e foi decretado em setembro, a falência da simpática companhia aérea fundada em 1933.
Boa parte da sua história foi de desmanchando e caindo no chão com o passar do tempo, as aeronaves que eram próprias não poderiam ser vendidas por problemas judiciais, somente em 2011 foram autorizadas a serem leiloadas, algumas ganharam uma sobrevida outras simplesmente destruídas.
Mesmo sem voar, o amor pela VASP ainda existe
Na aviação existem milhares de histórias, todos os dias são escritos novos capítulos, capítulos estes que podem mudar uma vida inteira. A história da nossa amiga Tatiana Osler, que tentou sair da aviação mas não conseguiu. Uma antiga funcionária da VASP que teve a sua vida completamente mudada pela empresa relatou um pouco da sua trajetória.
A ex-agente chegou com aquele olhar brilhando em seu primeiro emprego na aviação que foi na VASP. Taty ficou cerca de dois anos e meio na empresa, já em seus dias turbulentos e justamente por isso ela pensou em deixar a VASP, mas o seu amor foi maior do que qualquer barreira naquela época e mesmo com a falta de salários, permaneceu.
Alegre, sorridente e com muito amor ela continuou seu trabalho. Alguns anos depois ela viria a passar também pela BRA e pela TAM, atualmente a aviação ainda é presente na vida dela que é uma tripulante do projeto Pan Am Brasil.
Taty é formada em Turismo, e se formou ao final de 2004 bem próximo do capítulo final da VASP. A suspensão de voos da companhia naquele dia 27 de janeiro de 2005 causou imensa tristeza e desilusão com seus sonhos na aviação, tanto que pensou em seguir outro caminho porém sabemos que sair desse mundo é quase impossível. 1 de 2