O Novembro Azul surgiu em 2003 em Melbourne, na Austrália, a partir da iniciativa de dois amigos. O período é dedicado à conscientização sobre a importância do autocuidado entre homens(foto: MATEUS DANTAS 24-11-2018)

Situação no Brasil é agravada quando o paciente demora para buscar atendimento

Quando entrou no consultório do urologista pela primeira vez o garçom Rodrigo* tinha 49 anos e estava desconfortável. O incômodo não era apenas no órgão genital. Falar sobre o assunto era um problema e por causa dessa vergonha ele quase foi parar na mesa de cirurgia. Entre 2019 e 2020, houve 6.174 diagnósticos de câncer de pênis no Brasil e 1.092 pacientes tiveram o órgão amputado.

“Eu não tinha o hábito de ir ao médico para fazer exames regulares. Primeiro, porque não tenho plano de saúde, e segundo, porque nunca dei muita importância para isso. Procurei o médico porque estava com alguns sintomas. Era uma DST, e o médico disse que poderia ter evoluído para um câncer se eu não tivesse buscado ajuda”, contou.

Ele sente vergonha do episódio e por isso pediu para não ser identificado, mas os especialistas afirmam que a resistência dos homens em procurar atendimento e o hábito de negligenciar a saúde ainda é um problema em diversas camadas sociais. Nesta segunda-feira (1º) começa o Novembro Azul, período em que as autoridades, órgãos e instituições alertam para o perigo desse tipo de comportamento.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-BA) e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Lucas Batista, o câncer de pênis é menos frequente que outros tipos de enfermidade, mas costuma ser mais agressivo. A falta de higiene e o vírus HPV (papilomavírus humano), Doença Sexualmente Transmissível, são os principais fatores que podem causar esse problema.

“É o tipo de câncer mais frequente em pacientes com baixas condições socioeconômicas, que não têm acesso a atendimento médico e não tem o hábito de expor a glande para lavar o pênis. Pacientes com fimose, por exemplo, que tem dificuldade para expor a glande, muitas vezes, só descobre depois dos 40 anos, quando vai ao urologista”, disse.

A situação foi agravada pela pandemia. O especialista contou que os consultórios registraram queda de cerca de 70% no número de pacientes na Bahia. A SBU informou que entre 2019 e 2020, houve 6 mil diagnósticos de câncer de pênis no Brasil e 1 mil pacientes foram amputados. O tratamento pode exigir a remoção de parte do membro ou até a retirada total.

Casos não tratados podem resultar em morte. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) afirmou que 458 homens morreram por câncer de pênis no Brasil em 2019 e que as regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas. O oncologista da Clínica AMO e especialista em tumores do aparelho urinário, Augusto Mota, disse que o autoexame é fundamental.

“O paciente precisa ficar atento se surgirem feridas ou alguma outra anormalidade no pênis. Qualquer ferimento que não cicatrize em duas ou três semana precisa ser observado por um especialista. Ele não deve esperar. O câncer não surge de uma hora para outra, quando chega a esse estágio é porque a situação já vinha sendo negligenciada”, afirmou.

Apesar disso, por ser um tipo de tumor mais raro, segundo o Inca, ele representa 2% de todos os tipos de câncer que atingem o homem. A incidência é maior em pacientes a partir dos 50 anos, embora possa atingir também os mais jovens. A higiene deve ser feita com água e sabão, puxando a pele e lavando todo o membro.

Próstata


O câncer de pênis preocupa, mas o de próstata ainda é o que mais acomete homens em todo o país. Segundo dados do Inca, ele corresponde a 29,2% dos tumores incidentes no sexo masculino e matou quase 16 mil pessoas no ano passado. Em 2021, serão 65 mil novos casos, sendo 6 mil na Bahia e 1 mil em Salvador. É uma estimativa já que muitos pacientes só procuram o especialista quando a doença já está em estágio avançado.

O motorista por aplicativo Daniel Nunes, 45, contou que ir ao médico se tornou um hábito recentemente. “Eu casei e minha esposa é atenta a essas coisas. Ela que marca minhas consultas. A gente tem uma filha de dois anos, então, acho que passei a me cuidar mais por causa delas. Meu pai e meus tios, por exemplo, não costumavam ir ao médico”, contou.

Esse comportamento é bastante comum. O oncologista Augusto Mota tem quase 30 anos de consultório e contou que homens são mais relapsos com os cuidados médicos que as mulheres, mas que isso está mudando.

“O paciente que vai até o consultório faz os exames e o tratamento. Não há resistência. Ainda existe um preconceito com o exame de toque, mas quando ele entende a importância, faz o exame. A resistência que existe é em procurar o médico. Ele fica protelando por conta de trabalho e dando outras desculpas”, disse.

O câncer de próstata é uma doença silenciosa que quando manifesta sintomas, como dor ao urinar ou sangramento, geralmente está em estágio mais avançado. Por isso, os especialistas afirmam que não se deve esperar. A recomendação é começar a ir ao urologista a partir dos 45 anos. Quem tem histórico de câncer na família, mesmo aqueles não diretamente relacionados com a próstata, deve redobrar os cuidados.

Homens negros são mais propensos a desenvolverem essa doença. “O tratamento não necessariamente exige cirurgia. Existe um procedimento chamado de Vigilância Ativa que pode ser aplicado em alguns casos. São situações em que o paciente é tratado com medicação, mas que exige periodicidade, exames a cada três ou quatro meses”, diz Mota.

Mesmo em casos em que a única solução é a cirurgia a medicina avançou e os resultados têm sido mais positivos. O presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, Lucas Batista, lembra que existe três tipos de procedimentos.

“O paciente tem medo de ficar impotente, mas a medicina evoluiu muito nesse quesito. A taxa de impotência é menor que no passado. A cirurgia robótica, por exemplo, tem tido bons resultados. Ela já está presente na Bahia, mas ainda não está disponível na rede SUS. Outra solução pode ser a cirurgia aberta ou radioterapia”, afirmou.

Os especialistas disseram que não existe um tratamento precoce contra o câncer de próstata, mas que manter uma dieta saudável e fazer exercícios é importante. A obesidade, apesar de não desenvolver a doença, torna os efeitos dela mais agressivos. Atualmente, existe cerca de 300 urologistas na Bahia e a rede pública oferece consultas gratuitas.

Rede municipal oferece atendimento gratuito


A Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) afirmou que a rede municipal oferta consultas especializadas de urologia. Para ter acesso, é preciso ir até uma unidade básica de saúde e marcar, de segunda a sexta-feira, exceto feriados, das 8h às 17h. É necessário apresentar um documento oficial de identidade com foto, cartão SUS vinculado à Salvador e requisição médica com prescrição da consulta.

Procurada, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) não se manifestou sobre a rede de atendimentos de urologia disponível no estado.

Em todo Brasil, a procura por exames de rotina para rastreamento do câncer de próstata diminuiu no primeiro ano da pandemia. Segundo a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a coleta de biópsia da próstata teve redução de 44% e os exame Antígeno Prostático Específico (PSA) de 20%. Já as internações de pacientes caíram 16% no país e 15% na Bahia.

Em nota, o Instituto Nacional do Câncer disse que no Brasil o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não-melanoma). Na Bahia, a estimativa para 2021 é uma taxa de 85,51 casos para cada 100 mil homens, e cerca de 75% dos casos ocorrem a partir dos 65 anos. Nos últimos cinco anos a mortalidade desse tipo de doença cresceu 10% no Brasil e 14% na Bahia, foram 1.367 mortes em 2020.

“O aumento observado nas taxas de incidência no Brasil pode ser parcialmente justificado pela evolução dos métodos diagnósticos (exames), pela melhoria na qualidade dos sistemas de informação do país e pelo aumento na expectativa de vida”, diz a nota.

A partir desta segunda-feira o Farol da Barra, o Elevador Lacerda, os hospitais Municipal de Salvador (HMS) e Aristides Maltez, e as fontes luminosas das praças da Sé e do Dois de Julho (Campo Grande) serão iluminados com luz azul para lembrar o mês de prevenção, diagnóstico e tratamento contra o câncer de próstata e outras doenças que acometem os homens. A ação seguirá até o dia 22 de novembro.

Confira mitos e verdades sobre o câncer de próstata:

-A doença sempre apresenta sintomas (falso) – Dor ao urinar e sangramentos podem estar relacionados ao câncer de próstata, principalmente quando há metástase, mas não é uma regra.
-Exame de PSA aumentado é sinal de câncer de próstata (falso) – A alteração pode estar relacionada a outros fatores, por isso, o acompanhamento por um profissional urologista é importante.
-Homens negros são mais propensos a terem a doença (verdadeiro) – Esse grupo tem 60% mais de chances e os cuidados devem ser redobrados a partir dos 50 anos.
-Quem tem histórico de câncer na família está mais vulnerável (verdadeiro) – A hereditariedade aumenta o risco. Um parente de primeiro grau com a doença duplica a chance, e dois familiares aumenta o risco em cinco vezes.

Tipos de câncer mais comum entre os homens:

Próstata (65,8 mil novos casos por ano);
Cólon e Reto (20,5 mil)
Traqueia, Brônquio e Pulmão (17,7 mil)
Estômago (13,3 mil)
Cavidade Oral (11,2 mil)
Esôfago (8,6 mil)
Bexiga (7,5 mil)
Laringe (6,4 mil)
Leucemias (5,9 mil)
Sistema Nervoso Central (5,8 mil)
Fonte: Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Câncer de pênis:

Causa: falta de higiene e infecção pelo HPV;
Sintomas: não há sintomas, apenas a presença de esmegma (sebo) entre a glande e o restante do corpo do pênis, por baixo da pele;
Tratamento: remoção parcial ou amputação total;

Câncer de próstata:

Causa: mais comum em pessoas acima de 50 anos, com maior propensão entre negros e quem tem casos similares na família;
Sintomas: sangramento, dor ou dificuldade de urinar podem ser sintomas, mas não é regra;
Tratamento: radioterapia, tratamento hormonal ou cirurgia;

Do Correio 24h para a Rede Nordeste.

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